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Cinco perguntas e respostas sobre caso de boxeadora argelina no centro de debate sobre gênero

Imane Khelif, da Argélia, e Lin Yu-ting, de Taiwan, foram liberadas para competir nas Olimpíadas de Paris apesar de terem sido desqualificadas do Campeonato Mundial do ano passado após terem sido reprovadas nos testes de elegibilidade de gênero

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Sean Kearns
BBC News Brasil

Imane Khelif, 25, está nas quartas de final da categoria feminina de 66 kg após derrotar a italiana Angela Carini, enquanto Lin chegou às oitavas de finais da categoria feminina de 57 kg com vitória sobre Sitora Turdibekova do Uzbequistão.

A participação delas nos Jogos se tornou controversa devido às suas desqualificações em 2023.

A luta de Khelif, que terminou em 46 segundos após o abandono por parte de Carini, gerou críticas ao COI (Comitê Olímpico Internacional) por permitir a inscrição de uma boxeadora que antes foi considerada incapaz de atender aos critérios de elegibilidade de gênero.

A italiana Carini disse que encerrou a luta para "preservar sua vida", mas depois pediu desculpas à oponente argelina por não apertar sua mão ao fim da luta.

Imagem de uma atleta de boxe com cabelo trançado, vestindo um uniforme vermelho. Ela parece estar em um momento de reflexão ou concentração, com uma expressão facial séria. O fundo é desfocado, sugerindo um ambiente de competição.
Imane Khelif, da Argélia, participa de luta de boxe na Olimpíada de Paris - Reuters

"Sinto muito pela minha adversária também. Se o COI disse que ela pode lutar, eu respeito essa decisão", afirmou Carini.

Carini, também de 25 anos, lamentou não ter cumprimentado Khelif depois da luta.

"Não era algo que eu pretendia fazer", disse Carini. "Na verdade, quero pedir desculpas a ela e a todos os outros. Fiquei com raiva porque minhas Olimpíadas viraram fumaça."

Ela acrescentou que, se encontrasse Khelif novamente, a "abraçaria".

Já Khelif, após sua vitória, disse: "Estou aqui pelo ouro, luto com todo mundo."

A IBA (Associação Internacional de Boxe), que antes foi a organizadora do boxe olímpico, tem feito críticas à decisão do COI de permitir que as duas atletas competissem.

A seguir, a BBC esclarece algumas questões sobre o assunto.

A imagem mostra uma luta de boxe entre dois atletas. Um lutador está vestido com um uniforme vermelho e um capacete vermelho, enquanto o outro está usando um uniforme azul e um capacete azul. O lutador vermelho está desferindo um soco em direção ao lutador azul, que está em posição defensiva. O cenário é uma arena de boxe, com um ringue e espectadores ao fundo.
Lin Yu Ting, de Taiwan, à esquerda, e Sitora Turdibekova, do Uzbequistão - Joel Carrett/EPA

1 - Qual sexo consta na certidão de nascimento de Khelif? Ela nasceu biologicamente masculina ou feminina?

Khelif sempre competiu na divisão feminina e é reconhecida pelo COI Internacional como uma atleta feminina.

"A boxeadora argelina nasceu mulher, foi registrada como mulher, viveu sua vida como mulher, lutou boxe como mulher, tem um passaporte feminino", disse o porta-voz do COI, Mark Adams, na sexta-feira.

"Este não é um caso envolvendo transgênero. Houve alguma confusão de que, de alguma forma, seria um homem lutando contra uma mulher. Este não é o caso. Sobre isso, há consenso, cientificamente: este não é um homem lutando contra uma mulher."

Khelif falou sobre sua experiência de crescer como uma menina na Argélia e o preconceito que enfrentou jogando futebol ao lado de meninos.

"Não deixe que os obstáculos entrem em seu caminho, resista a quaisquer obstáculos e supere-os", disse ela em março de 2024. "Meu sonho é ganhar uma medalha de ouro."

"Se eu ganhar, mães e pais poderão ver até onde seus filhos podem ir. Eu particularmente quero inspirar meninas e crianças que são desfavorecidas na Argélia."

Não há nenhuma indicação de que Khelif não se identifique como mulher.

2 - Como é a carreira dela no boxe até o momento?

Khelif luta boxe há oito anos.

A argelina fez sua estreia no cenário amador mundial aos 19 anos, quando ficou em 17º lugar no Campeonato Mundial de 2018. Um ano depois, Khelif ficou em 19º no Campeonato Mundial Feminino de Boxe.

Ela fez sua estreia olímpica nos Jogos de 2020 em Tóquio. Lutando na divisão leve de 60 kg, Khelif foi derrotada por 5 a 0 nas quartas de final pela medalhista de ouro da Irlanda, Kellie Harrington.

Ela então se tornou a primeira boxeadora argelina a ganhar uma medalha no Campeonato Mundial, ficando com a prata em 2022 após perder a final para a irlandesa Amy Broadhurst, que agora representa a Grã-Bretanha.

Em seguida, Khelif venceu o Campeonato Africano de 2022 e os Jogos do Mediterrâneo de 2022.

Em 2023, ela ganhou o ouro nos Jogos Árabes na divisão de 66 kg e garantiu sua vaga nos Jogos de 2024 ao derrotar Alcinda Panguana, de Moçambique, na final do torneio de qualificação para as Olimpíadas Africanas no Senegal.

Até o momento, Khelif lutou 51 vezes em sua carreira, vencendo 42 e perdendo nove. Seis dessas vitórias foram por nocaute.

3 - Por que a vitória de Khelif contra Carini foi controversa?

A vitória de Khelif gerou controvérsia e críticas após Carini perder em apenas 46 segundos de luta.

A boxeadora italiana disse ter abandonado a luta para "preservar sua vida". Depois, pediu desculpas à oponente.

Muitas das críticas decorrem da desqualificação de Khelif no Campeonato Mundial de 2023 em Nova Déli, Índia.

Ela falhou em um teste de elegibilidade de gênero conduzido pela Associação Internacional de Boxe (IBA) horas antes de seu confronto pela medalha de ouro contra a chinesa Yang Liu.

A argelina inicialmente apelou da decisão ao Tribunal Arbitral do Esporte, mas depois desistiu da apelação durante o processo.

A IBA, chefiada pela Rússia, disse que Khelif "não atendeu aos critérios de elegibilidade para participar da competição feminina, conforme definido e disposto nos regulamentos da IBA".

De acordo com os regulamentos da IBA: "Os boxeadores competirão contra boxeadores do mesmo gênero, ou seja, mulheres contra mulheres e homens contra homens, conforme as definições dessas regras".

A IBA define uma mulher ou menina como "um indivíduo com cromossomos XX" e homens ou meninos como "um indivíduo com cromossomos XY".

A IBA negou que os níveis de testosterona de Khelif tenham sido testados.

Em uma entrevista com o editor de esportes da BBC, Dan Roan, na quinta-feira, o presidente-executivo da IBA, Chris Roberts, disse que cromossomos XY foram encontrados nos testes de Imane Khelif e de Lin Yu-ting.

Mas Roberts disse que havia "diferentes questões envolvidas nisso" e, portanto, o órgão não poderia se comprometer a definir Khelif como "biologicamente masculino".

O COI levantou dúvidas sobre a precisão dos testes.

"Não sabemos qual era o protocolo, não sabemos se o teste foi preciso, não sabemos se devemos acreditar no teste", disse o porta-voz do COI.

"Há uma diferença entre um teste ser realizado e aceitarmos a precisão ou mesmo o protocolo do teste".

A BBC, até o momento, não conseguiu determinar em que consistiam os testes de elegibilidade.

4 - O que mudou na regulamentação e governança do boxe olímpico desde a decisão da IBA?

Ao contrário dos Jogos anteriores, o boxe nas Olimpíadas de Tóquio foi organizado pelo COI, e não pela IBA.

O COI suspendeu a IBA em 2019 devido a preocupações com suas finanças, governança, ética, arbitragem e julgamento.

Por não ter cumprido as reformas exigidas estabelecidas pelo COI, a IBA foi destituída de seu status como órgão regulador mundial do esporte em 2023.

Essa decisão foi mantida em abril de 2024 pelo Tribunal Arbitral do Esporte após um recurso.

A decisão do COI de destituir a IBA de seu status ocorreu quatro meses após o órgão desqualificar Khelif e Lin Yu-ting do Campeonato Mundial de 2023.

Em 2021, o COI lançou uma campanha sobre "Justiça, Inclusão e Não Discriminação com Base na Identidade de Gênero e Variações Sexuais".

O documento estabelece dez princípios - não regras - para os órgãos nacionais seguirem ao selecionar atletas para os Jogos.

O COI disse que "apoia a participação de qualquer atleta que tenha se qualificado e cumprido os critérios de elegibilidade para competir nos Jogos Olímpicos, conforme estabelecido por sua IF [Federação Internacional]. O COI não discriminará um atleta que tenha se qualificado por meio de sua IF, com base em sua identidade de gênero e/ou características sexuais".

5 - Quais testes são realizados no boxe?

Em 2019, o COI delegou a responsabilidade pela organização e gestão do controle de doping nas Olimpíadas à Agência Internacional de Testes (ITA).

O COI disse que adotou uma "política de tolerância zero" para qualquer pessoa encontrada usando ou fornecendo produtos de doping.

Os testes incluem determinar os níveis de testosterona de um atleta, mas não se reduzem a isso.

"Há muitas mulheres com níveis mais altos de testosterona do que os homens", disse o presidente-executivo da IBA, Roberts.

"Portanto, a ideia de que um teste de testosterona é a bala de prata não é verdade."

O que as pessoas têm dito

"É importante poder competir em igualdade de condições e, do meu ponto de vista, não foi uma disputa equilibrada", - Primeira-ministra italiana Giorgia Meloni.

"Acho que isso prejudicou o boxe olímpico em um momento crucial em que seu futuro ainda está sendo discutido. É um desastre absoluto", Steve Bunce, comentarista do 5 Live

"Se você tem um boxeador que supera em muito a força de outro com base em critérios de elegibilidade e testes, isso sugere que essa pessoa não é adequada para estar na categoria feminina da competição", Chris Roberts, CEO da IBA

"Eu recomendaria que tentássemos tirar a guerra cultural disso e realmente abordássemos as questões e as pessoas e pensássemos sobre as pessoas envolvidas e o dano real que está sendo causado pela desinformação", Mark Adams, porta-voz do COI.

"Foi uma exibição incrivelmente desconfortável pelos 46 segundos que durou e sei que há muita preocupação em relação às competidoras sobre se estamos encontrando o equilíbrio certo não apenas no boxe, mas também em outros esportes", disse Lisa Nandy, Secretária de Estado da Cultura, Mídia e Esporte.

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