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Olimpíadas 2024 Todas

O primeiro ouro olímpico do Brasil em Paris é de uma mulher gorda e negra

Judoca Beatriz Souza foi campeã na categoria peso-pesado, de mulheres com mais de 78 kg

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Victoria Damasceno
Victoria Damasceno

É jornalista pela USP. Escreve sobre temas ligados aos direitos humanos, com foco em questões raciais e de gênero

São Paulo

Imagine um atleta olímpico recebendo uma medalha de ouro. Chutaria que seriam poucos aqueles que pensariam em uma mulher gorda, negra e de cabelos crespos naturais no lugar mais alto do pódio. Mas, sim, foi esta a imagem que vimos no início da tarde desta sexta-feira (2), quando a judoca Beatriz Souza conquistou o primeiro ouro do Brasil nas Olimpíadas 2024 ao disputar a categoria feminina de peso-pesado, de mulheres com mais de 78 kg.

Marcante não só pelo pódio olímpico, a imagem aqui descrita mostrou quatro mulheres gordas ocupando o primeiro, segundo e terceiro lugar (que, neste caso, premia duas). Embora esperado para a categoria que competem, seus corpos foram vistos como uma espécie de antítese ao imaginário popular do corpo atlético.

Judocas medalhistas da categoria peso-pesado - Luis Robayo/AFP

Ao lado de Beatriz, a israelense Raz Hershko com a prata, e, com o bronze, a francesa Romane Dicko e a sul-coreana Kim Ha-yun. Enquanto a sensação comum foi de estranhamento ao ver mulheres com essa estrutura corporal ganhando uma medalha olímpica, o sentimento parece não se repetir nos embates masculinos, onde os homens são vistos como grandes, fortes e másculos.

É como se peso-pesado só tivesse valor no caso de atletas como o judoca francês Teddy Riner, dono de quatro medalhas de ouro em Olimpíadas. Se o competidor homem é gordo, é porque faz sentido no esporte que pratica, enquanto para mulheres soa como escape à falta de autocuidado.

Afinal, quem são essas que se orgulham de competir em uma categoria como essa, de causar arrepios na era do Ozempic?

Fato é que Beatriz tem um corpo atlético. Com uma estrutura corporal fora do padrão vendido pela moda e pelos anúncios de shakes proteicos e academias, a atleta olímpica antes mesmo dos jogos de Paris já havia acumulado um catatau de distinções. Em 2023, foi eleita a melhor judoca pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil). Tem três medalhas do campeonato mundial, sendo duas de bronze e uma de prata. Acumula ainda outras três nos Jogos Pan-Americanos, também duas de terceiro lugar e uma de segundo.

Seria ilusão dizer que todos os formatos corporais são aptos a todos os esportes, porque sabemos que não são. A ginástica feminina, por exemplo, tem como principais atletas mulheres de estatura pequena. Rebeca Andrade, por exemplo, uma das mais altas da equipe brasileira da modalidade e dona da prata no individual geral de Paris-2024, mede 1,55 m e pesa cerca de 50 kg. O esporte pede esse tipo corporal para que as competidoras possam dar saltos, giros e rotações em movimentos limpos, rápidos e ágeis.

Já no vôlei e no basquete, os atletas são conhecidos pela altura. O atributo é necessário para que consigam pontuar, bloquear ou disputar bolas. Baixinhos não têm lugar nos times de elite.

O judô de pesos-pesados mostra, porém, que há espaço para corpos fora do padrão imaginado para atletas. Que a distância entre o esporte de alta performance e o corpo gordo é menor do que supõe o senso comum. Afinal, uma mulher de 115 kg acaba de mostrar ao Brasil que se tornou uma das melhores do mundo em sua categoria.

Beatriz abre espaço para que o imaginário popular entenda que corpo atlético pode ser qualquer corpo –e que mulheres negras cabem onde desejarem estar, inclusive nas Olimpíadas, onde se reafirmam como elite esportiva. Como a judoca disse em entrevista após a vitória, "mulherada, pretos e pretos de todo o mundo, é possível".

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