Para
Gorender, escravidão manteve unidade nacional
Nome:
Jacob Gorender
Idade:
76 Carreira: Foi membro do Comitê Central
do PCB e fundador do PCBR. Foi professor visitante do
Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo
Livros: "O Escravismo Colonial" (Ática),
"Combate nas Trevas" (Ática), "Marxismo
sem Utopia" (Ática), "Marcino e Liberatore"
(Ática), "A Escravidão Reabilitada"
(Ática), "Bukharin" (Ática),
"A Burguesia Brasileira" (Brasiliense), "Gênese
e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo Brasileiro"
(Mercado Aberto), "O Fim da URSS" (Atual)
|
MAURICIO
PULS
da Redação
Autor
de dois clássicos dahistoriografia
brasileira, O Escravismo Colonial e Combate
nas Trevas, Jacob Gorender, 76, sustenta que a escravidão
foi o fator que assegurou a unidade do Brasil, em contraste
com a fragmentação territorial que caracterizou
a América espanhola. Gorender, que acabou de lançar
Marxismo sem Utopia, analisa também o regime
militar e o governo FHC. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha
- O Escravismo Colonial é um clássico
na historiografia brasileira. Que mudanças o sr. faria
hoje no livro?
Jacob Gorender - Eu não faria modificações
nas teses do livro. Obviamente, as pesquisas istoriográficas
avançaram, e há detalhes que eu gostaria de
incluir. Mas isso não modifica o conteúdo das
teses que apresento no livro.
O Escravismo Colonial contém a chave explicativa
do passado brasileiro, que é a escravidão. A
escravidão foi a força motriz da unidade da
América portuguesa, unidade que se manteve no Brasil
independente. Note-se que, na América espanhola, a
escravidão só teve intensidade semelhante no
Caribe. Na América do Sul, o que há são
bolsões escravistas na Venezuela, na Colômbia,
no Peru.
O que se deu é que, no Brasil, a escravidão
existiu de norte a sul, da Amazônia ao Rio Grande do
Sul. A classe dominante também era uma só, a
de senhores de escravos. Ela tinha interesse em manter a unidade
territorial por várias razões.
Primeiro, porque garantia o tráfico africano. O tráfico
resistiu até 1851, enfrentando a perseguição
da Inglaterra, a superpotência da época. Segundo,
garantia o tráfico interno, a livre movimentação
da mercadoria escrava em todo o território, o que mantinha
seus preços num nível conveniente. Por fim,
permitia o esmagamento de rebeliões escravas com mais
potência. O poder central interveio várias vezes
para sufocar levantes de escravos, particularmente por intermédio
de Caxias.
Esses fatores fizeram com que a classe escravocrata superasse
as tendências centrífugas em favor de tendências
centralizadoras. Houve várias tentativas de separação,
de formação de unidades independentes, mas prevaleceu
o interesse maior na unidade.
Folha - Já na América espanhola, em que
havia uma diversidade maior de formas de produção,
não houve unidade.
Gorender - Não era uma classe dominante unificada.
Não houve uma unidade que superasse as tendências
centrífugas. Daí essas 20 e tantas repúblicas.
Folha - Combate nas Trevas analisa o regime
militar. Mas a militarização do Estado brasileiro
não foi um fato isolado. Naquele período, houve
a instauração de regimes militares em quase
toda a América Latina.
Gorender - Mas em outras nações havia
precedentes de regimes militares (Bolívia, Argentina,
Venezuela), precedente que não existia no Brasil. Agora,
houve um fator externo, que é a Guerra Fria e o apoio
americano aos regimes de força. Havia um período
de grande turbulência na América do Sul e na
América Central -veja-se o caso de Cuba. Essa turbulência
abrangeu quase todo o continente. Com a Guerra Fria, a política
exterior americana decididamente tomou o partido dos regimes
de força. As tendências militarizantes já
existiam e, quando apareceram, os EUA não vacilaram:
deram apoio às forças que pretendiam instituir
ditaduras.
Folha - O governo militar ampliou muito o setor estatal
na economia. Essa estatização ocorreu também
em outros países após a 2ª Guerra: Itália,
Espanha, Reino Unido, França, Alemanha. O sr. acha
que a estatização foi uma resposta do capital
nacional à expansão do capital estrangeiro em
cada país?
Gorender - Parece-me que foi uma resposta às
necessidades de uma nova fase do capitalismo. O capitalismo,
no pós-guerra, entrou numa fase nova de investimentos.
Na Europa, ela partiu de uma região devastada, onde
a carência de capital era grande. Havia necessidade
de investimentos em infra-estrutura e na indústria
de base que o capital privado não tinha condições
de assumir. Justamente na Europa Ocidental, há uma
onda estatizante. Não havia capital privado para realizar
esses investimentos. No Brasil também.
Folha - O que determinou o fim do regime militar?
Gorender - O regime militar tinha a necessidade de
se legitimar diante da população brasileira
com o desenvolvimento econômico. Tanto Médici
como Geisel tinham como trunfos o fato de terem debelado a
inflação e promovido o desenvolvimento. De 68
a 73, a economia cresceu a taxas de 10% ao ano. Em 73 houve
pleno emprego. Foi um período de crescimento, e isso
era alardeado pelos militares. Isso começa a declinar
com Geisel. A inflação volta a crescer, a facilidade
de conseguir emprego já não é grande.
O declínio se torna evidente no período Figueiredo,
o que tem reflexos na vida política. Torna-se insustentável
legitimar o regime com base em seus êxitos econômicos.
Qual seria o grupo hegemônico no governo FHC? O capital
estrangeiro parece ter uma grande influência nele.
Gorender -O Brasil ainda não é uma colônia.
Quem está no poder são brasileiros, representantes
de interesses brasileiros. Há aí outros fatores.
O Brasil conseguiu completar a Segunda Revolução
Tecnológica no final dos anos 70 -eletricidade, química
etc. Mas, quando ele chegou a isso, irrompe a Terceira Revolução
Tecnológica, centrada na informática e nas telecomunicações.
E aí o Brasil ficou para trás. Basta ver a informática.
Tentou-se a solução nacionalista, que não
deu certo. A atualização do grande capital nacional
vem das multinacionais. Esse capital que se associa ao multinacional
vê no capital internacional o veículo da atualização
tecnológica do Brasil. O problema é que, com
a tecnologia estrangeira, vem também o domínio
do capital estrangeiro, que está crescendo.
Leia
mais: Globalização tranforma
cidade em centro lúdico, diz Nicolau Sevcenko
|