Livro de Mirian Goldenberg mostra conquistas de nonagenários

Antropóloga e colunista da Folha lança "A Invenção da Bela Velhice", baseado em pesquisas com os "superidosos"

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São Paulo

Mirian Goldenberg, antropóloga, escritora e colunista da Folha, fala com entusiasmo que aprende muita coisa no contato diário com seus amigos mais próximos. Ela é a caçula, 30 e poucos anos mais jovem do que os nonagenários dessa turma.

A velhice é o tema estudado por Mirian desde 2000. Ela lança no próximo dia 25 o livro “A Invenção da Bela Velhice” (Ed. Record), nova versão de um de seus muitos trabalhos escritos sobre o tema, que cada vez atrai mais interesse.

Mirian Goldenberg com seu novo livro, "A Invenção de uma Bela Velhice", baseado em pesquisa realizada por ela há mais de 20 anos - Marlene Bergamo/Folhapress

“Nesses 22 anos em que eu pesquiso o tema, a gente viu uma revolução. Era algo até meio ignorado, mas agora essa discussão explodiu.” Para ela, a mudança não está apenas na maneira como as pessoas estão lidando com sua velhice, mas como estão engajadas num movimento libertário.

“É incrível você ver lives no Instagram de mulheres de 90 anos dançando, cantando. Uma de minhas amigas, Nalva, de 93 anos, faz live de piano todas as semanas. Inventou isso da cabeça dela, para passar a pandemia!”

No livro, Mirian elenca ideias para a conquista de uma “bela velhice”. Entre elas, estabelecer um projeto de vida: valorizar as amizades, viver plenamente cada dia, respeitar sua própria maneira de ser e respeitar suas vontades, sem a pressão dos outros. E aprender a dizer não.

Mirian destaca que o tema tem uma universalidade que não se encontra em outros debates, como em questões de gênero ou cor da pele. “A velhice une todo mundo. Todos sabem que vão ficar velhos e entendem o que é ter medo de envelhecer na nossa cultura. Nos meus amigos, vejo a velhice parar de ser estigma e passar a ser sinônimo de liberdade.”

Ela pesquisa grupos dos chamados superidosos, com mais de 90 anos. São mais mulheres do que homens, porque esses morrem mais cedo. E é delas que ela mais escuta a afirmação de que vivem o momento mais feliz de suas vidas, porque nunca se sentiram tão livres. A diferença no envelhecimento de homens e mulheres é um dos aspectos mais atraentes do livro.

As mulheres sentem um clique. Depois de anos cuidando da família, algo que estava aprisionado dentro delas explode

Mirian Goldenberg

em entrevista sobre o livro "A Invenção de uma Bela Velhice"

Segundo a autora, “o que elas sentem não é gostar de ser diferente, é ser única. As mulheres só conquistam isso mais velhas. Com os homens é diferente. Os homens também sofrem, mas de outro jeito. Para eles, não é uma questão de liberdade, é uma questão de afeto.”

Os homens envelhecem e querem continuar úteis, potentes e ativos. Querem seguir no trabalho, mesmo que não precisem do dinheiro, é para manter esse espaço. Mirian aponta que essa troca de “precisar trabalhar” por “querer trabalhar” pode passar a ser um projeto de vida. Mas os homens não passam por uma ruptura forte, como acontece com as mulheres.

“As mulheres sentem um clique. Depois de anos cuidando da família, algo que estava aprisionado dentro delas explode”, afirma.

“Elas falam dessa mudança de forma poética, dizem ‘Eu floresci’, ‘Eu renasci’. Estavam aprisionadas em suas obrigações de cuidar dos outros, de agradar a todos. Então dizem ‘Agora chega! Vou cuidar de mim para ser eu mesma!’, coisas desse tipo.” As mulheres passam a valorizar muito as amizades, porque a família não foi o lugar da libertação.

Mirian fala do guarda-roupa de cada um para exemplificar as diferenças. “Para os homens não tem a ruptura. Um homem de 98 anos usa a mesma roupa de um menino de dez. Óculos, bonezinho, camiseta, bermuda, tênis. A mulher muda completamente. Recebe pressão pelo cabelo certo, pela roupa certa. Jamais veremos uma mulher de 60 com o mesmo figurino de uma criança. O homem quer continuidade, a mulher quer ruptura.”

Depois de parar de trabalhar, ou diminuir o ritmo de atividades, o homem quer resgatar o tempo que deixou de dedicar à família, mas isso pode não ser fácil. “A casa não é o lugar que ele domina, acaba sendo um intruso. Muitos não conseguem reconquistar esse espaço. Por isso que há muitas separações aos 60 e 70 anos”, afirma a autora.

Conversando com os amigos nonagenários da escritora, todos ativos e com muita disposição física, eles dizem que ela “adora velhos”. “Esses superidosos têm muito tesão no que eles fazem. Eles não precisam fazer, eles querem fazer!” E Mirian revela que nenhum deles, alguns perto dos 100 anos, fala do medo da morte.

“Alguns se conideram sobreviventes, um diz que é o último dos moicanos. Não têm a preocupação com a finitude, querem viver o presente com liberdade e mobilidade. Têm medo de ficarem dependentes dos outros ou perder a lucidez. Eles não têm medo da morte física, mas sim de morte simbólica, em reclusão.”

SUPERIDOSOS

Thais Varnieri, 95

uma mulher idosa de cabelos grisalhos abraça uma mulher mais jovem de cabelos acaju, as duas sorriem para a câmera
A carioca Thais Varnieri é fã de séries de TV e coleciona frases de artistas e filósofos; na foto, ao lado de Mirian - Arquivo Pessoal

Foi numa aula na Casa do Saber que Mirian conheceu aquela que considera sua melhor amiga. Com 9 flihos, 18 netos e 9 bisnetos, a gaúcha Thais mora no Rio e coleciona frases de pessoas célebres, como artistas, filósofos e cientistas. Reúne inúmeras frases em suas anotações e costuma dar de “presente” a amigos aquelas de que mais gosta. Leitora voraz, também adora séries de TV, conhece muitas em detalhes. “Mirian e eu conversamos praticamente todos os dias, há quase dois anos. Ela acha que eu sou muito forte, sirvo de exemplo para ela. É muito exagerado isso, não?”

José Pinto Guedes, 97

homem idoso se apoia no batente da janela. ele usa boné e óculos de sol
Português que vive no Rio, José Pinto Guedes na janela de sua casa - Arquivo Pessoal

Quem acompanha as colunas de Mirian na Folha já está familiarizado com Guedes, que surge como personagem de alguns textos. Ele lamenta que a pandemia o impeça de passear pelas ruas do Rio. Como melhores amigos declarados, ele e Mirian conversam por celular todos os dias, sempre por volta das 18h. Guedes, que recita de cor trechos de “Os Lusíadas” e sabe cantar dezenas de canções populares brasileiras das décadas de 1930 e 1940, impressiona com a prodigiosa memória. Sabe os números de CPF da mulher e das duas filhas que moram com ele. “Eu me lembro até do número do Renavan do carro da minha filha”, conta, aos risos.

Neuza Guerreiro, 91

mulher branca idosa sorri segurando livros e cadernos nos braços
A bióloga Neuza Guerreiro, que dá aulas pela internet - Arquivo Pessoal

Aquela figura clichê do velhinho que não sabe nada de novas tecnologias e pede ajuda dos netos para lidar com engenhocas eletrônicas passa muito longe de Neuza, muito longe mesmo. A bióloga alimenta constantemente seu blog, vovoneuza.blogspot.com, no qual discute temas muito além de sua especialidade acadêmica. Entre posts variados, já publicou 11 capítulos de um diário do confinamento durante a pandemia. Não deve se sentir tão enclausurada como tantos outros, porque mora um espigão no Alto de Pinheiros. “Tenho uma bela vista de 180 graus de São Paulo.” Ela ainda dá aulas e oferece regularmente um curso sobre memória, pela internet.

Nobolo Mori, 97

homem idoso joga golfe em campo ensolarado e florido
Nobolo Mori jogando golfe em Mogi das Cruzes, onde mora e atende pacientes - Arquivo Pessoal

Hoje, alguém dizer “Eu vou viver até os 120 anos” pode soar como algo absurdo. Imagine então um médico respeitado, com 40 e poucos anos, falar essa frase e levá-la a sério nos anos 1960. Nobolo Mori realmente se preparou para tanto. “Com exercícios e alimentação, sem suplementos”, diz o médico, que foi registrado em 6 de janeiro de 1925, mas nasceu no ano anterior. “Meu pai demorou a me registrar”. Seu dia a dia dá sinais de muito futuro. Até a pandemia, atendia pacientes em Mogi das Cruzes (SP). Com a suspensão das consultas presenciais, pode agora dedicar várias horas, rigorosamente todos os dias, a sua paixão pelo golfe. Como duvidar?

Nalva Nóbrega, 93

duas mulheres abraçadas
A pianista Nalva Nóbrega, que mora em Natal (RN), e a antropóloga Mirian Goldenberg - Arquivo Pessoal

De volta ao Rio Grande do Norte, onde nasceu, a pianista Nalva faz lives semanais na internet, tocando música clássica e brasileira. Formada em contabilidade e serviço social, tem cinco filhos e 12 netos (“Uma coleção”, diz). Mora sozinha em seu apartamento em Natal, auxiliada por uma cuidadora. Como ela mesmo diz, nunca foi rica, mas criou uma família dedicada aos estudos. Tem filhos e netos médicos e engenheiros, alguns vivendo fora do Brasil. Quando morava no Rio, tocava em um piano montado num supermercado. Foi lá que conheceu Mirian Goldenberg, que admira o interesse dela pela arte. “Gosto dessas coisas, teatros, shows. É comigo mesmo!”

A INVENÇÃO DA BELA VELHICE
​Mirian Goldenberg
Editora Record, 160 págs. R$ 39,90
Live de lançamento no domingo (25/7), às 11h, com a autora e Renato Veras, médico e diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade. No YouTube, pelos canais do Grupo Editorial Record e Unibes Cultural

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