Vera Lia, secretária na Folha por quase meio século, morre aos 72

Formada em direito, ela se destacou no jornal como 'guardiã do seu Frias'

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São Paulo

Eram 15h30 de 23 de março de 1990 quando dois agentes da Polícia Federal, um delegado e seis fiscais da Receita Federal avançaram pelo saguão da Folha, no centro de São Paulo, sem que fossem anunciados. Entraram no elevador e apertaram o botão do 9º andar, onde ficava a presidência.

Invadiram a sala de Vera Lia Roberto, a secretária do publisher Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), mas não o encontraram. Seu Frias, como ele era conhecido, estava em outro andar, relata Mario Sergio Conti, colunista da Folha, no livro “Notícias do Planalto”.

Vera Lia na cerimônia de 90 anos da Folha na Sala São Paulo, em 2011 - Karime Xavier/Folhapress


Os policiais e os fiscais tinham ido ao jornal para apurar suposta irregularidade na cobrança de anúncios, uma suspeita que, logo se soube, não fazia sentido. A invasão era uma tentativa de intimidar o jornal por parte do governo de Fernando Collor de Mello, que vinha sendo alvo de reportagens críticas publicadas pela Folha.

A equipe levou três funcionários para prestar depoimentos na PF: Renato Castanhari e Pedro Pinciroli, que eram diretores, e Vera Lia.

A secretária não perdeu a altivez diante da situação ameaçadora, lembra Luís Francisco Carvalho Filho, advogado do jornal que acompanhou o episódio. “Ela se portou com firmeza e dignidade”, conta Carvalho Filho, também colunista do jornal.

Esse comprometimento marcou os 45 anos de Folha de Vera Lia, que morreu aos 72 anos na manhã desta terça (24) em sua casa, em São Paulo. Ela tinha descoberto um câncer no pâncreas havia pouco mais de um mês.

Nascida na capital paulista em 1949, só deixou a cidade por um breve período para estudar direito em Bragança Paulista. Embora tivesse o título da OAB, não chegou a exercer a advocacia.

Em 1974, aos 25 anos, começou na Folha como assistente de Cleonice, a secretária do seu Frias e do então sócio dele Carlos Caldeira Filho. Pouco depois, passou a trabalhar apenas com Frias. E só deixou a empresa em 2019.

SÃO PAULO, SP, BRASIL, 04.02.1986: Martinha da Silva (esq.) e Vera Lia, secretária do Sr. Frias, na secretaria da Direção, do jornal Folha de S. Paulo, em São Paulo (SP).  (Foto: Jorge Araújo/Folhapress. Negativo: 1820/1986)
Martinha da Silva (esq.) e Vera Lia no nono andar da Folha, em São Paulo, em 1986 - Jorge Araújo/Folhapress

“A Folha cresce em momentos de crise, a Vera era assim também, como na invasão da PF. Participava intensamente das crises, mas transmitia estabilidade”, recorda-se o colunista Marcelo Coelho, que conviveu com ela como editorialista a partir dos anos 1980.

Para Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, Vera era a “guardiã do seu Frias”. Organizava todas as etapas das visitas ao publisher, em almoços ou cafés; cuidava da agenda pessoal dele; redigia as cartas; fazia os pagamentos.

“A vida dela era a Folha”, diz o assistente administrativo Ricardo da Silva Leonardi, que trabalhou junto de Vera ao longo de 28 anos. “Ela me ensinou muito. O jornal sempre recebeu políticos, empresários e artistas importantes e foi a Vera quem me orientou sobre como lidar com as visitas.”

Para Antonio Manuel Teixeira Mendes, superintendente do Grupo Folha, “não havia pedido não atendido com a Vera. Ela era implacável”.

A sala da secretária era contígua ao escritório do seu Frias e também ficava ao lado do espaço ocupado pelos editorialistas. Assim, embora tivesse a fama de brava na Redação, ela se tornou próxima de alguns jornalistas.

“A Vera podia assustar, até impor medo, pela postura de autoridade, que ela sabia exercer, mas também se derretia em conversas privadas”, diz Gonçalves, que trabalhou ao lado dela em três diferentes períodos como editor de Opinião, responsável pela coordenação dos editoriais.

Ao seu modo, Vera resolvia questões que envolviam os editorialistas. Em 1999, lembra o secretário de Redação Vinicius Mota, havia um impasse entre dois jornalistas em relação ao ar condicionado. Clóvis Rossi (1943-2019), friorento, queria uma temperatura mais alta; Celso Pinto (1953-2020) insistia que fosse mais baixa.

Os dois disputavam o controle do aparelho, que ficava ao lado da mesa de Mota, o mais jovem entre eles. Vera logo notou a desavença e tomou uma atitude definitiva: impediu o acesso ao controle, trancando-o dentro de uma caixa. A partir de então, só ela podia ajustar a temperatura.

"Ela cuidava de todos nós, que trabalhávamos no nono andar, do mais velho, o seu Frias, ao mais jovem, que era eu", afirma o economista e professor da USP Gilson Schwartz, que se tornou editorialista da Folha em 1983, com apenas 23 anos, e colaborou com o jornal até 2007.

“Ela tinha um gênio... Meio brava, mas sempre muito caridosa, muito ativa”, diz a prima Ligia. Vera, segundo ela, dedicava grande atenção aos familiares doentes e ajudava entidades que cuidam de idosos.

Vera, que nunca se casou e não teve filhos, deixa a irmã, Egle, e primos, como Ligia, Patricia e Odair. O velório será realizado nesta quarta (25) das 9h às 10h no cemitério do Araçá, e o sepultamento terá início às 10h.

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