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Jorge Araújo - 23.mar.90/Folha Imagem
Policiais federais armados deixam o prédio da Folha, após invasão em março de 1990, realizada sob pretexto de análise contábil


Polícia Federal invade a sede da Folha



Ex-presidente Collor, que considerava o jornal seu inimigo, autorizou operação


MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Seja como candidato, seja como presidente, Fernando Collor de Mello sempre considerou a Folha um jornal inimigo. E agiu de acordo com essa crença: menos de dez dias depois de tomar posse, deu sinal verde para que a Receita e a Polícia Federal invadissem o jornal e quatro meses mais tarde processou o seu diretor de Redação e outros três jornalistas.

Collor esteve duas vezes na sede do jornal durante a campanha presidencial de 1989. Em ambas, achou que foi mal recebido. Na primeira, por não ter encontrado ninguém da diretoria da empresa ou do jornal. Na outra visita, por ter podido conversar apenas poucos minutos com o diretor de Redação, Otavio Frias Filho.

O candidato do PRN também não gostou de reportagens de Elvira Lobato, Gilberto Dimenstein e Clóvis Rossi publicadas durante a campanha. Nelas, o jornal revelava detalhes do acordo de Collor com usineiros alagoanos; como ele contratou mais de 400 funcionários na véspera de deixar a Prefeitura de Maceió; e como o governo de Alagoas assinara um contrato no valor de US$ 420 mil para contar com a assessoria de Zélia Cardoso de Mello.

Os policiais e agentes da Receita Federal foram diretamente para o andar da diretoria do jornal


Editorialmente, a Folha não tomou posição a favor de nenhum dos candidatos. Seguiu o seu preceito de manter a independência em relação aos partidos. Houve um editorial, no entanto, sugerido e escrito por Artur Ribeiro Neto, que criticou a espetacularização da política e as ilusões televisivas disseminadas por Collor.

Logo em seguida à decretação do Plano Collor, no qual o presidente congelava contas bancárias, cadernetas de poupança e aplicações financeiras acima de US$ 1.250, o jornal fez um editorial apoiando a medida.

Na tarde de sexta-feira, 23 de março de 1990, seis fiscais da Receita, dois agentes e um delegado da PF invadiram o prédio da Folha. Zelia Cardoso de Mello, ministra da Economia, disse a Collor que a PF faria uma diligência no jornal. O presidente autorizou que ela fosse levada a cabo.

O objetivo da invasão era conferir se o jornal estava cobrando faturas publicitárias em cruzados novos ou na moeda recém-criada, o cruzeiro. Conforme orientação da Associação Nacional de Jornais, a Folha fazia as cobranças em cruzeiros. Mas foi o único deles a ter sua sede invadida e arquivos contábeis vasculhados.

Versões juvenis de Mussolini
Os policiais e agentes da Receita não se encaminharam ao local onde ficavam os arquivos contábeis da empresa. Foram direto para o andar da diretoria e perguntaram várias vezes: "Onde está o Frias?". Não o encontraram (ele estava noutro andar) e levaram à Polícia Federal a sua secretária, Vera Lia Roberto, um dos diretores da empresa na época, Pedro Pinciroli, e o diretor administrativo, Renato Castanhari. Os três prestaram depoimento e foram liberados.

Na edição do dia seguinte, o jornal publicou uma reportagem relatando a invasão. Estampou também na primeira página um editorial, escrito por Marcelo Coelho, então coordenador dos editoriais, intitulado "A escalada fascista". O editorial responsabilizava Collor diretamente pela invasão e o comparava a Ceaucescu, o ditador comunista da Romênia que fora destituído do poder e fuzilado três meses antes:

"A democracia brasileira não tolera aspirantes a Ceaucescu ou versões juvenis de Mussolini. Aberta, como qualquer empresa, à fiscalização das autoridades, esta Folha não aceita intimidações grosseiras nem ameaças policiais".

No domingo, o jornal publicou um artigo de Otavio Frias Filho em que a comparação de Collor com Mussolini era aprofundada. Na segunda-feira, o governo cancelou a medida provisória que dera embasamento à invasão. Com o recuo do governo, não houve mais artigos e editoriais contra a invasão. Na avaliação da Direção do jornal, havia sido cumprido o objetivo de mostrar aos leitores, e ao governo, que a Folha não se atemorizaria.

Em julho, Gustavo Krieger e Josias de Souza, da Sucursal de Brasília, fizeram uma série de reportagens mostrando que Cláudio Vieira, secretário particular do presidente, contratara agências de publicidade sem realizar licitações, como determinava a legislação criada pelo próprio governo recém-empossado. As agências contratadas, Setembro e Giovanni, haviam participado da campanha eleitoral de Collor.

Cláudio Vieira protestou. Enviou cartas à Folha, que as publicou, e veiculou textos pagos em outros jornais contestando as reportagens. Argumentava que as contratações em licitação foram feitas em "caráter excepcional". O jornal não desmentiu as suas reportagens, todas elas baseadas em documentos oficiais.

No mês seguinte, o presidente abriu um processo contra Gustavo Krieger, Josias de Souza, o repórter Nelson Blecher, que participara marginalmente da apuração sobre as agências de publicidade, e o diretor de Redação, Otavio Frias Filho. Collor acusou o jornal de caluniá-lo.

O mote do processo não eram as reportagens, e sim duas notas que saíram na coluna "Painel Econômico", nas quais nem Cláudio Vieira nem Collor eram citados. Nenhum dos quatro processados apurara ou escrevera as notas, e Frias Filho nem sequer estava no jornal na época em que elas foram publicadas.

As notas faziam uma vinculação, indireta, entre eventuais dívidas restantes da campanha de Collor, com agências de publicidade, e as contratações feitas pelo Planalto sem licitação, em "caráter excepcional".

As duas notas, no entanto, haviam sido reproduzidas pela "Gazeta de Alagoas", jornal de propriedade do presidente, que não vira nada de ofensivo nelas. O "Jornal do Brasil" também publicou reportagens com teor semelhante ao das notas, e nada foi feito contra ele. O processo contra a Folha foi o primeiro (e até agora o único) que um presidente brasileiro, no exercício do mandato, moveu contra um órgão de imprensa.

A carta aberta ao presidente
O processo se arrastou durante meses. Em abril de 1991, o diretor de Redação do jornal escreveu uma carta aberta ao presidente. A intenção de Frias Filho era chamar a atenção da opinião pública para a dimensão política da ação do presidente: a de intimidar um órgão de imprensa. O texto foi publicado na primeira página da edição de quinta-feira, 25 de abril de 1991, com o título de "Carta aberta ao sr. Presidente da República": "Que o sr. esqueça o processo contra os meus três colegas e concentre seus rancores na minha pessoa, já que deseja atingir a Folhacomo instituição", afirmava o diretor de Redação. "Processe-me pelo que de fato penso e afirmo em vez de se esconder sob o pretexto de duas notas inócuas, perdidas sem assinatura numa edição publicada, aliás, quando eu estava ausente, em licença profissional."

Frias Filho encerrou a carta comparando as razões de Collor com as suas, as motivações da autoridade com as da imprensa: "Eu luto pela minha liberdade, o sr. por uma vaidade ferida; e no entanto minhas razões são públicas e de interesse geral, ao passo que as suas é que são particulares, sombrias como a própria solidão; (...) eu advogo um direito, o sr. uma obrigação de vassalagem; uma condenação lançará vergonha sobre o sr. e honra sobre mim; seu governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal desde que cultive o seu compromisso com o direito dos leitores à verdade continuará de pé: até mesmo o sr. é capaz de compreender por que a minha causa é mais forte e mais justa que a sua".

Em janeiro do ano seguinte, 1992, os jornalistas da Folha foram absolvidos. Na sentença, o juiz Nelson Bernardes de Souza escreveu: "É irrecusável que o noticiário publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, apontando irregularidades na contratação de agências publicitárias sem licitação, circunscreveu-se aos estreitos limites da crítica inspirada pelo interesse público". O presidente não recorreu da decisão.

Àquela altura, o seu governo estava imensamente desgastado. Além de a inflação ter voltado com força, veio a público o namoro do ministro da Justiça, Bernardo Cabral, com a da Economia, Zelia, e ambos vieram a deixar o governo. Luís Octávio da Motta Veiga deixou a presidência da Petrobrás acusando Paulo César Farias, o caixa da campanha de Collor, de tentar usar a empresa para beneficiar Wagner Canhedo. Rosane Collor deixou a LBA e foi processada por desvio de verbas.

O desgaste continuou no início de 1992, com denúncias de corrupção e queda de ministros. Em março, Collor tentou se reassenhorar da situação promovendo uma reforma ministerial. Encarregado da articulação política, Jorge Bornhausen, do PFL, agendou encontros do presidente com dirigentes de órgãos de imprensa, inclusive a Folha.

Nem por isso a situação do governo melhorou. Em maio, as acusações do irmão mais novo do presidente, Pedro Collor, contra Paulo César Farias logo viraram um pesado bate-boca. A escalada de Pedro Collor culminou numa longa entrevista a "Veja", na qual sustentou que PC Farias era testa-de-ferro do presidente.

No final de junho, Eriberto França, motorista de Collor, deu uma entrevista a "Istoé" e apresentou documentos comprovando que PC Farias pagava despesas de Rosane e Fernando Collor.

Três dias depois, a Folha publicou um editorial cujo conteúdo vinha sendo discutido internamente no jornal havia vários dias. Escrito por Marcelo Coelho e publicado na primeira página, o editorial defendia a renúncia de Fernando Collor. "O Estado de S. Paulo" também publicou um editorial no mesmo sentido naquela terça-feira, 30 de junho.

Tarja preta na primeira página
Num discurso improvisado, Collor tentou enfrentar a maré de denúncias com um apelo à manifestação popular. Na quinta-feira, 13 de agosto, falando a 2.000 taxistas, que foram ao Palácio do Planalto agradecer a concessão de subsídios, ele conclamou a população a vestir-se de verde e amarelo no domingo seguinte, para manifestar o seu apoio ao presidente.

Na forma de anúncio da Caixa Econômica, o discurso do presidente foi retransmitido na televisão. Na sexta-feira, num almoço de editores, surgiu a sugestão, logo adotada, de que a Folha colocasse uma tarja preta na Primeira Página, de modo a sugerir, contra o verde-e-amarelo preconizado pelo presidente, o uso do negro _cor que vinha sendo usada em passeatas estudantis pela deposição de Collor.

No domingo da pretendida manifestação verde e amarela, houve passeatas em quase todas as capitais. Em todas, a começar pela do parque Ibirapuera, em São Paulo, o preto era a cor dominante.

Por 441 votos a 38, a Câmara autorizou em 29 de setembro que o Senado abrisse um processo contra o presidente por crime de responsabilidade e ordenou que deixasse o cargo. Collor foi afastado da Presidência em 2 de outubro, depois de um mês em que houve as maiores manifestações de massa da história do Brasil.

Em 29 de dezembro, na iminência de ser considerado culpado pelo Senado e definitivamente apeado do cargo, Fernando Collor renunciou à Presidência.

Leia mais:
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  • Militares ameaçam suspender circulação
  • Apoio a diretas amplia peso político do jornal
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  •  Textos citados

    Receita e Polícia Federal invadem a Folha
    Editorial: A escalada fascista
    Artigo: Qualquer semelhança não é mera coincidência
    Carta aberta ao sr. presidente da República
    Editorial: Renúncia Já


    Reprodução da capa da Folha, de 26/4/1991, em que Collor é comparado ao líder fascista Mussolini
    Caras-pintadas em manifestação contra Collor em São Paulo
    PC Farias e Collor em charge de Glauco publicada na edição de 22/9/92

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