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Escritora cria ONG para estimular diversidade racial em empresas

Luana Génot, fundadora do Instituto Identidades do Brasil (ID-BR), venceu o Prêmio Empreendedor Social 2022 na categoria Direitos Humanos

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A ex-modelo e fundadora do ID_BR, Luana Genót, em família

Luana Génot foi criada por duas 'Anas', mãe e avó, e dos 18 aos 20 anos tentou carreira internacional de modelo quando despertou consciência para racismo. 'É global', diz a fundadora do ID_BR Arquivo pessoal

São Paulo

Dos 18 aos 20 anos, Luana viveu o que poderia ter sido um conto de fadas de uma carreira internacional como modelo. Após descolar dois convites para ir com a mãe assistir um desfile no Fashion Rio, em 2007, a jovem negra de 1,77 m se viu no dia seguinte na passarela da grife Graça Ottoni, o que lhe renderia um convite para uma turnê na França e Bélgica.

Juntou-se a quatro meninas da Lente dos Sonhos, escola comunitária de modelos na Cidade de Deus, que já iam desfilar em Paris no Moda Fusion, projeto que unia designers franceses e brasileiros.

Luana Génot, fundadora e diretora-executiva do ID_BR, que trabalha pela igualdade racial no mercado de trabalho - Renato Stockler/Folhapress

Decidida a aproveitar a oportunidade, a carioca do bairro suburbano da Penha peregrinou por agências da capital francesa até entender que o final dessa história não era tão feliz para princesas de sua cor. Ouviu a real de um agente: "Você é bonita, mas tem um problema, é negra".

É o despertar da consciência racial da brasileira. "O racismo era global." O tom da pele era barreira na Europa e até na África, onde fez campanha para uma empresa de telefonia da Nigéria. "Aquilo começou a germinar na minha mente. E aí percebi que era possível hackear o sistema."

Nessa época, Luana conheceu o marido, o jornalista Louis Génot –daí vem seu sobrenome europeu. "Ele foi aliado importante na minha trajetória." O casamento se tornaria espaço de formação sobre a afrobrasilidade.

"Louis, que tinha morado no Brasil na infância, foi quem me ensinou sobre samba", diz ela. Em vez de rodas de sambistas, a adolescente frequentava a igreja Assembleia de Deus do pastor Silas Malafaia.

O marido a incentivou a estudar mais sobre a própria identidade e também a prestar vestibular em 2009. Luana passou na PUC-RJ e ganhou uma bolsa para cursar publicidade. Depois de se especializar em raça, etnia e mídia pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, fundou em 2016 o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).

Com voz suave mas bem falante, ela conta como a menina evangélica, criada por duas Anas, a mãe e a avó, tornou-se o principal rosto do antirracismo no mercado de trabalho brasileiro ajudando empresas a adotar políticas raciais.

Espero que em 50 anos tenhamos algo próximo de 50% de representação negra, hoje temos menos de 5%

Luana Génot

sobre equidade racial

Quando Luana tinha 9 anos, sua mãe, técnica de enfermagem que trabalhava na cozinha do hospital Miguel Couto, a tirou da escola particular onde era ofendida por causa do cabelo. "Racismo não é brincadeira de criança", disse-lhe a mãe, relato que faz a Luana adulta chorar.

Em seguida, ela engata o processo de empoderamento na faculdade, onde era colega de curso da cantora Iza. Na PUC, começou a desenvolver sua veia de ativista antirracista e empreendedora social. Fez curadoria de eventos, como a produção de uma exposição do fotógrafo camaronês Mario Epanya.

"Aquilo foi significativo, os corpos negros estampados nas fotos e os alunos, brancos em sua maioria, passando por eles."

Antes de se graduar, em 2012, Luana ingressou no Ciências Sem Fronteiras –programa do governo Dilma Rousseff para incentivar a formação acadêmica de jovens no exterior. Nos Estados Unidos, engajou-se na histórica campanha de Barack Obama, indo morar em Chicago, base do candidato Democrata que se tornaria o primeiro negro a ocupar a Casa Branca.

Trabalhou com McGhee Williams, na Burrell Communications. "Importante para me engajar na pauta antirracista."

Após participar da Conferência Mundial da Juventude da ONU, no Sri Lanka, em 2014, Luana volta ao Brasil inspirada para criar um modelo de negócio social que estimulasse a diversidade étnico-racial no mundo corporativo. Um ano depois, o selo Sim à Igualdade Racial sairia do papel. Já foi conferido a 40 empresas, entre as 500 maiores.

ESCOLHA DO LEITOR

"São empresas antirracistas que fazem a roda da economia girar. Como negros não têm o poder da caneta nessas esferas, nosso foco é mudar esse panorama", diz Luana, sobre o deserto de lideranças pretas no topo das corporações. "Espero que em 50 anos tenhamos algo próximo a 50% de representação negra, hoje temos menos de 5%."

Muitas vezes o trabalho pioneiro da empreendedora social se resume a um gerenciamento de crises. "As empresas não devem se esconder em seus relatórios de diversidade se colocando como diversas apenas porque entendem que possuem um número expressivo de profissionais negros em seus quadros", afirma.

Com o movimento #BlackLivesMatter ganhando o mundo por conta da morte de George Floyd em 2020 –morto por asfixia em Mineápolis, EUA, após um policial ajoelhar em seu pescoço– o ID_BR também ganhou mais visibilidade.

"Várias empresas nos procuraram querendo saber que ações tomar e não ficarem só na intenção sem sair do lugar".

O desafio é dar continuidade ao trabalho de colocar mais pessoas negras e indígenas em cargos de liderança. Estratégia que inclui treinamentos como na parceria com Magazine Luiza, fez um primeiro trainee para negros.

O ID_BR ajudou Americanas, Unilever, Ipiranga, Sony Music e Pepsico a serem antirracistas em suas contratações.

"O recrutamento é a porta de entrada para profissionais negros e tem o papel mapear o mercado e levar esses perfis para o processo seletivo", diz Carol Rocha, recrutadora do Google que já passou por empresas como QuintoAndar e pela consultoria McKinsey.

Um dos nós é a exigência de qualificações que acabar como desculpa para a não inclusão. "Os requisitos mínimos para vagas mais seniors não reflete a realidade da população brasileira —como inglês fluente, MBA e formação em universidades internacionais", explica a especialista.

Autora de três livros, um deles finalista do Prêmio Jabuti 2020 ("Sim à Igualdade Racial: Raça e Mercado de Trabalho), Luana projeta mudanças para a geração de sua filha, Alice, 3.

"Espero que ela no futuro tenha problemas bem diferentes a resolver. Queria poder ouvir dela daqui 30 anos: ‘Como assim, desigualdade racial? Achei que sempre foi normal ver negros e indígenas em todos os lugares e cargos’." A mãe e escritora lança em outubro "Guerreiras do Sim - Somos Iguais ou Diferentes?".

Projeto em números

- 122 mil pessoas impactadas
- 49 mil educadores formados em letramento racial em parceria com Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul
- 40 grandes empresas ganharam o selo ‘Sim à Igualdade Racial’
- 15 mil profissionais letrados racialmente em empresas

Conheça os demais finalistas e vencedores do Prêmio Empreendedor Social 2022 na plataforma Social+.

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