Brasileira leva para Harvard projeto contra abuso de mulheres

Free Free, de ex-editora da Vogue, foi criado após suicídio da mãe e nascimento da filha como maneira de lutar contra histórico de violências

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A foto ao lado de Rihanna dá pistas do círculo social frequentado pela carioca Yasmine McDougall Sterea, 36, quando foi editora de moda na revista Vogue. Foram 11 anos morando entre São Paulo, Londres e Nova York.

Apesar do sucesso precoce e das capas que conseguiu com Gisele Bündchen e Kim Kardashian entre 2009 e 2020, Yasmine carregava a dor pela perda da mãe. Um histórico de abusos e uma depressão profunda levaram Lilian Rose a tirar a própria vida aos 42 anos. Yasmine tinha 21 à época.

"O que será que um momento de looks pretos e cabelos curtos platinados diziam sobre meus sentimentos?", indaga ela na lembrança ao lado da cantora no Instagram.

Yasmine Sterea era editora de moda na revista Vogue e trabalhava com celebridades como Rihanna
Yasmine Sterea (à esquerda) foi editora de moda na revista Vogue e trabalhou com celebridades como Rihanna - Arquivo pessoal

Para "aguentar os traumas", encheu a agenda enquanto se dedicava ao trabalho. Cursos, terapias, neurolinguística, espiritualização e um mestrado fora do país.

Em 2015, engravidou de uma menina. Quarenta dias depois do parto, já estava dirigindo uma campanha de moda enquanto amamentava. "Doeu fazer tudo isso. Tão cedo."

Aos poucos, Yasmine foi deixando a promissora carreira. Chegou a ter um estúdio e fazer consultoria de direção criativa, entre outros empreendimentos na moda. E começou a desenhar o Free Free, projeto para libertar meninas e mulheres de abusos físicos, emocionais e financeiros.

"Fui extremamente afetada pela perda da minha mãe, mas não entendia que ela tinha sofrido abuso, era intangível. Essas dores vieram à tona na gravidez."

Como não poderia deixar de ser, o projeto começou ancorado na moda como meio para que as vítimas voltassem a se reconhecer como mulheres depois dos abusos sofridos.

Yasmine Sterea fundou o Free Free em 2018, após carreira de sucesso na revista Vogue
Yasmine Sterea fundou o Free Free em 2018, após carreira de sucesso na revista Vogue - Divulgação

"Em qualquer tipo de violência, o abusador ataca a autoestima da mulher", explica a fundadora e CEO do Free Free, lançado oficialmente em 2018.

"Ela começa a se esconder, do tom de voz à maneira que se veste. Então, não usamos a moda no sentido de tendência, e sim como identidade. Nossa autoestima é nossa maior defesa."

Um dos primeiros trabalhos foi em parceria com o Núcleo de Gênero do Ministério Público, em ações com foco no autoconhecimento para vítimas e profissionais que atendem mulheres.

Parceria do Free Free com a Casa da Mulher Brasileira capacita profissionais que realizam acolhimento e treinamento de vítimas de violência
Parceria do Free Free com a Casa da Mulher Brasileira capacita profissionais que realizam acolhimento e treinamento de vítimas de violência - Divulgação

"O sistema jurídico está em evolução, mas ainda é muito formal e tradicional para as mulheres", afirma Valéria Scarance, promotora de justiça especializada em gênero e combate à violência contra mulheres.

"A parceria abriu novos horizontes em nossa atuação e é preciso inovar para amparar, acolher e transformar vítimas", completa.

Com o avanço do Free Free e mais de 70 parcerias, entre elas com Casa da Mulher Brasileira, PepsiCo, Iguatemi e O Boticário, além de personalidades como Seu Jorge, os programas passaram a incluir carreira, liberdade financeira, saúde emocional, união feminina e identificação de situações abusivas. Mais de 16 mil mulheres foram impactadas por essas ações.

Em março deste ano, a plataforma inaugurou um novo formato, o Free Free Club, voltado a estudantes da Universidade Harvard (EUA), em parceria com o Harvard Center for African Studies e o Harvard College Women’s Center.

Free Free Club é lançado em Harvard, onde estudantes terão encontros para discutir prevenção à violência contra a mulher
Free Free Club é lançado em Harvard, onde estudantes terão encontros para discutir prevenção à violência contra a mulher - Divulgação

Articulação possível graças ao relacionamento da advogada, que cursou justiça social em Harvard, com Joan Johnson-freese, professora da universidade e integrante do conselho consultivo do Free Free.

A ideia é prevenir a violência contra meninas e mulheres em encontros que abordam temas como liberdade física, emocional e financeira de maneira leve. Um espaço para jovens de diversos países compartilharem experiências, buscarem conselhos e apoiarem umas às outras.

"Meu objetivo é explorar os medos que impedem as mulheres de serem e se sentirem livres", diz Aminata Ndow, coordenadora do Free Free Club em Harvard.

"Vivemos em um mundo onde o medo é inevitável e onipresente e o Club é sobre nos motivar e inspirar outros a darem o primeiro salto para fazer mudanças."

O projeto deve chegar ao Brasil no segundo semestre deste ano. Conversas com universidades privadas estão em andamento, enquanto Yasmine estuda chegar a escolas públicas.

"Há uma grande abertura para o tema, mas os sistemas e a política são difíceis, há resistência e o desafio de trazer os homens para a discussão", afirma ela.

A empreendedora entende que a fatia de recursos que se destina a apoiar negócios liderados por mulheres ainda é restrita —o que dificulta a emancipação feminina. Para manter o Free Free, Yasmine articula parcerias e atua como consultora em equidade de gênero para empresas.

"Tem que ter força de vontade e propósito para além do negócio; se não, é missão impossível."

Força que busca na memória da mãe, na leveza da filha Violeta e na sua própria luta por outras tantas mulheres.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.