Legislação trabalhista precisa se adaptar às novas tecnologias

Festival ODS começa nesta sexta (19) e discute futuro do trabalho

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Maria Carolina Trevisan
São Paulo (SP)

No Brasil, se a carteira de trabalho fosse uma pessoa, ela seria homem branco mais velho do Centro-Sul. Essa fotografia –uma sobreposição de desigualdades– está descrita no livro recém-publicado "Extremos" (Cia das Letras), do economista Pedro Fernando Nery, diretor de Assuntos Econômicos da Vice-Presidência da República. É um retrato das informações sobre desemprego e informalidade no país.

No primeiro trimestre de 2024, a taxa de desemprego foi de 7,9%, segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), apesar de o mercado formal ter aberto 719 mil novas vagas, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

Motoboys protestam por melhores condições de trabalho e segurança - Marlene Bergamo/Folhapress

O país registrou também 39 milhões de trabalhadores informais no terceiro trimestre de 2023. O número equivale a 39,1% da população ocupada do país. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Essa relação entre mercado de trabalho, empreendedorismo e trabalho informal apresenta desafios e oportunidades que exigem adaptações e novas políticas públicas.

As rápidas mudanças tecnológicas dos últimos anos têm funcionado como alavancas que impulsionam o trabalho informal e o empreendedorismo – quase sempre, sem garantia de direitos trabalhistas – e, muitas vezes, expandem o desemprego. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias podem ampliar as possibilidades de obtenção de renda.

"A legislação precisa ser atualizada, tanto para que não gere perda de direitos, quanto para que não desincentive o emprego de grupos que se beneficiam dessa flexibilidade"', afirma Nery.

Esse contexto exige a implementação de políticas ativas de emprego. Mas a velocidade em que as transformações tecnológicas acontecem é muito superior à capacidade de adaptação da legislação trabalhista e do sistema de proteção social.

"O emprego no Brasil é muito taxado, e de uma forma que não é clara para o trabalhador. São mais de dez tributos que podem ser descontados do salário antes de ele ser pago. Isso prejudica o emprego formal, o emprego com carteira, que tende a ser de melhor qualidade", diz Nery.

O economista Pedro Fernando Nery, autor de "Extremos" (Cia das Letras), aponta a necessidade de políticas que protejam o trabalhador informal e o empreendedor e que incentivem aqueles que se beneficiam pela flexibilidade das novas tecnologias. - Pedro Ladeira/Folhapress

Esse não é um desafio só do Brasil: muitos países construíram suas leis trabalhistas e sistemas de proteção social para jornadas de indústria ou de escritórios, em que o trabalho começa pela manhã e termina no fim da tarde, de segunda a sexta.

"A tecnologia permite que muita gente trabalhe fora desse sistema. A legislação precisa ser atualizada, tanto para que não gere perda de direitos, quanto para que não desincentive o emprego de grupos que se beneficiam dessa flexibilidade", diz.

Segundo Nery, no caso de trabalhadores informais como os motoristas de aplicativo e os motoboys entregadores, a principal preocupação é com os acidentes. Ele propõe a inclusão na Previdência, com tributação relativamente baixa, mantendo a flexibilidade da jornada de trabalho que a maioria preza.

"Além disso, uma questão interessante é a de proteção à renda nesses casos, que ainda não está adequada. Quando esse cara é bloqueado da plataforma, por exemplo, ele não tem direito ao seguro-desemprego porque não é formal. Então ele não tem nem os benefícios do emprego com carteira para trabalhadores de menor renda, como FGTS, seguro-desemprego, abono salarial e salário família, como pode não ser tão pobre a ponto de poder cair no Bolsa Família."

Há também aspectos positivos na adaptação às novas tecnologias: a democratização no consumo de serviços não essenciais e a convergência no uso do tempo livre.

FESTIVAL ODS 2024

O futuro do trabalho diante das transformações digitais e tecnológicas é o tema central do Festival ODS 2024, que acontece nesta sexta (19), em Niterói (RJ), em modo presencial e online, para participação em oficinas específicas. As inscrições estão abertas e podem ser realizadas até esta quinta (18).

Mercado de trabalho, informalidade e empreendedorismo são alguns dos temas que serão abordados por especialistas, gestores públicos e lideranças da sociedade civil e de empresas. O evento é uma realização da Agenda Pública e da Prefeitura de Niterói, com apoio da Fundação Grupo Volkswagen.

Para Sergio Andrade, diretor-executivo da Agenda Pública, é preciso "desenvolver clusters de empreendedorismo formal e informal em setores com potencial de crescimento, promovendo ecossistemas de inovação e colaboração, implementando programas de inclusão digital e financeira".

Nesse conjunto de iniciativas, empresas teriam o papel de fortalecer a capacitação e educação técnica, direcionando para uma transição justa rumo à economia de baixo carbono.

"É necessário reformar políticas locais de mercado de trabalho, ativas e passivas, modernizando instrumentos de intermediação do trabalho, de requalificação técnica e de inclusão produtiva", afirma Andrade.

O objetivo do Festival ODS é desenvolver soluções para alcançar os compromissos estabelecidos pela Agenda 2030, um conjunto de objetivos e metas de desenvolvimento sustentável, ao qual se comprometeram 193 Estados-membro da ONU (Organização das Nações Unidas), incluindo o Brasil.

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