Publicidade
Publicidade
19/02/2007
-
09h26
RUBENS VALENTE
da Folha de S.Paulo
No final de janeiro, o governo federal anunciou um "recorde histórico" na reforma agrária: o assentamento de 381 mil trabalhadores rurais sem terra no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
A leitura dos arquivos do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) revela, contudo, que o governo engordou seu balanço com famílias que já viviam em assentamentos criados e mantidos pelos governos estaduais, em reservas extrativistas ou florestas nacionais e em assentamentos criados e estruturados há anos, alguns da ditadura militar ou anteriores.
A pedido da Folha, o governo enviou, em 2006, um CD com 7.800 páginas que listam os 243 mil assentados no período 2003-2005, separados por anos de criação, os Estados em que se localizam e o modelo do projeto. Foi a primeira vez, nos últimos quatro anos, que a União liberou esses dados.
Dos 243 mil trabalhadores que o governo diz ter assentado de 2003 a 2005 [os dados não incluem 2006], mais da metade, 127 mil (52%), está relacionada a projetos criados durante a gestão de Lula. Dessa parcela, 56,3 mil (44%) correspondem a assentamentos estaduais ou reservas extrativistas.
Os 48% restantes --cerca de 115 mil assentamentos-- foram criados em governos passados.
Pelo menos 2.121 pessoas "assentadas" pelo governo Lula se encontravam em projetos criados ainda na ditadura militar. Nos anos 70, 10.425 estavam nos projetos de João Figueiredo (1979-1985) e de José Sarney (1985-1990). Outros 73.093 nos anos 90; e 29.156, nos três últimos anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Barra do Corda
O assentamento Barra do Corda (MA), por exemplo, foi criado no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945). De acordo com a edição de 1959 da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, esse Núcleo Colonial foi fundado em 1942.
Nesse assentamento, em atividade há meio século, o governo Lula teria assentado 942 pessoas em 2005 e 44 em 2004. Contudo, nenhuma família nova foi instalada pelo Incra no local há pelo menos dez anos, segundo o escritório regional.
"Eu estou há 32 anos aqui, trabalhando. Quando cheguei, já existia [o assentamento]", explicou o técnico agrícola do Incra, João Marvão Mendes. E esses 986 "assentados" pelo governo Lula? "Todos moram lá já há anos. Nós começamos a titular essa área em 1975", disse.
O exemplo de Barra do Corda se repete em todos os Estados. Um dos campeões é Mato Grosso. De 23.945 pessoas que o governo diz ter assentado entre 2003 e 2005, 71% ocupam projetos constituídos a partir da década de 70 até 2002.
Lago Grande
Os documentos revelam que o maior assentamento rural do governo Lula é o projeto Lago Grande, com 4.362 pessoas. Mas, na prática, trata-se da reordenação de uma situação fundiária. As famílias moram ali há um século, segundo o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Monte Alegre (PA), José da Costa Alves.
"Essa região é habitada há mais de cem anos. São áreas ocupadas que o pessoal [do Incra] está fazendo agora a regularização", disse Alves.
Até a semana passada, as famílias não haviam recebido nada do Incra, apenas dado os seus nomes para um cadastro. Mesmo assim, se tornaram "assentados" do governo em de 2005. Em breve deverão receber R$ 2,5 mil, como crédito de apoio, R$ 5 mil para construção de moradia e o título da terra.
João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) critica a política do governo para o setor.
"O desempenho desses quatro anos é patético. Parece que 50% de todas as famílias que teriam sido assentadas se encontram na região amazônica. São, na verdade, projetos de colonização, em sua maioria em terras públicas. No fundamental não afetam o latifúndio, não contribuem para a desconcentração de terras. Não se tratam de reforma agrária."
A divulgação dos dados misturados num único pacote de "assentados" ocorreu também no governo FHC. Conta como "assentadas" os que receberão ou receberam créditos para construção e reforma de suas moradias, ou que poderão ter acesso a linhas de crédito.
Em 2002, o governo FHC divulgou arquivos com dados da reforma agrária em sete anos de mandato. Porém, os documentos não traziam o ano de criação dos assentamentos.
Ao serem questionados sobre os números do levantamento feito pela Folha, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informaram que cumprem requisitos do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária.
Leia mais
Requisitos são cumpridos, afirma governo
Lula usa assentados por Alckmin em estatística
Em dia de sol e pouco assédio, presidente toma banho de mar no Guarujá
Sem-terra ligados à CUT e ao MST invadem 12 fazendas em São Paulo
Ministério diz ter enviado cestas a MS
Especial
Leia o que já foi publicado sobre reforma agrária
Lula engorda reforma agrária com assentamento estadual
Publicidade
da Folha de S.Paulo
No final de janeiro, o governo federal anunciou um "recorde histórico" na reforma agrária: o assentamento de 381 mil trabalhadores rurais sem terra no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
A leitura dos arquivos do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) revela, contudo, que o governo engordou seu balanço com famílias que já viviam em assentamentos criados e mantidos pelos governos estaduais, em reservas extrativistas ou florestas nacionais e em assentamentos criados e estruturados há anos, alguns da ditadura militar ou anteriores.
A pedido da Folha, o governo enviou, em 2006, um CD com 7.800 páginas que listam os 243 mil assentados no período 2003-2005, separados por anos de criação, os Estados em que se localizam e o modelo do projeto. Foi a primeira vez, nos últimos quatro anos, que a União liberou esses dados.
Dos 243 mil trabalhadores que o governo diz ter assentado de 2003 a 2005 [os dados não incluem 2006], mais da metade, 127 mil (52%), está relacionada a projetos criados durante a gestão de Lula. Dessa parcela, 56,3 mil (44%) correspondem a assentamentos estaduais ou reservas extrativistas.
Os 48% restantes --cerca de 115 mil assentamentos-- foram criados em governos passados.
Pelo menos 2.121 pessoas "assentadas" pelo governo Lula se encontravam em projetos criados ainda na ditadura militar. Nos anos 70, 10.425 estavam nos projetos de João Figueiredo (1979-1985) e de José Sarney (1985-1990). Outros 73.093 nos anos 90; e 29.156, nos três últimos anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Barra do Corda
O assentamento Barra do Corda (MA), por exemplo, foi criado no Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945). De acordo com a edição de 1959 da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, esse Núcleo Colonial foi fundado em 1942.
Nesse assentamento, em atividade há meio século, o governo Lula teria assentado 942 pessoas em 2005 e 44 em 2004. Contudo, nenhuma família nova foi instalada pelo Incra no local há pelo menos dez anos, segundo o escritório regional.
"Eu estou há 32 anos aqui, trabalhando. Quando cheguei, já existia [o assentamento]", explicou o técnico agrícola do Incra, João Marvão Mendes. E esses 986 "assentados" pelo governo Lula? "Todos moram lá já há anos. Nós começamos a titular essa área em 1975", disse.
O exemplo de Barra do Corda se repete em todos os Estados. Um dos campeões é Mato Grosso. De 23.945 pessoas que o governo diz ter assentado entre 2003 e 2005, 71% ocupam projetos constituídos a partir da década de 70 até 2002.
Lago Grande
Os documentos revelam que o maior assentamento rural do governo Lula é o projeto Lago Grande, com 4.362 pessoas. Mas, na prática, trata-se da reordenação de uma situação fundiária. As famílias moram ali há um século, segundo o presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Monte Alegre (PA), José da Costa Alves.
"Essa região é habitada há mais de cem anos. São áreas ocupadas que o pessoal [do Incra] está fazendo agora a regularização", disse Alves.
Até a semana passada, as famílias não haviam recebido nada do Incra, apenas dado os seus nomes para um cadastro. Mesmo assim, se tornaram "assentados" do governo em de 2005. Em breve deverão receber R$ 2,5 mil, como crédito de apoio, R$ 5 mil para construção de moradia e o título da terra.
João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) critica a política do governo para o setor.
"O desempenho desses quatro anos é patético. Parece que 50% de todas as famílias que teriam sido assentadas se encontram na região amazônica. São, na verdade, projetos de colonização, em sua maioria em terras públicas. No fundamental não afetam o latifúndio, não contribuem para a desconcentração de terras. Não se tratam de reforma agrária."
A divulgação dos dados misturados num único pacote de "assentados" ocorreu também no governo FHC. Conta como "assentadas" os que receberão ou receberam créditos para construção e reforma de suas moradias, ou que poderão ter acesso a linhas de crédito.
Em 2002, o governo FHC divulgou arquivos com dados da reforma agrária em sete anos de mandato. Porém, os documentos não traziam o ano de criação dos assentamentos.
Ao serem questionados sobre os números do levantamento feito pela Folha, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informaram que cumprem requisitos do 2º Plano Nacional de Reforma Agrária.
Leia mais
Especial
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Nomeação de novo juiz do Supremo pode ter impacto sobre a Lava Jato
- Indicação de Alexandre de Moraes vai aprofundar racha dentro do PSDB
- Base no Senado exalta currículo de Moraes e elogia indicação
- Na USP, Moraes perdeu concursos e foi acusado de defender tortura
- Escolha de Moraes só possui semelhança com a de Nelson Jobim em 1997
+ Comentadas
- Manifestantes tentam impedir fala de Moro em palestra em Nova York
- Temer decide indicar Alexandre de Moraes para vaga de Teori no STF
+ EnviadasÍndice