Para resistir
aos olhares suplicantes das crianças de rua e não
dar uma esmola, a escritora Patrícia Secco transformou-se
em uma biblioteca ambulante. Estende a mão e, no lugar
de dinheiro, entrega um livro infantil. "Eu fico com
a consciência tranqüila e as crianças sentem-se
satisfeitas."
Patrícia é daquele tipo de pessoa que não
gosta de dar esmola para crianças. "Elas acabam
viciadas em ser pedintes. Além disso, muitas delas
são exploradas por adultos", afirma. Mas a escritora
não consegue dizer não. "Eu fico me sentindo
culpada." Ela encontrou na literatura a solução
para o dilema de dar ou não dar esmola.
Formada em administração, Patrícia passou
11 anos trabalhando no mercado financeiro. "Eu estava
ganhando dinheiro, mas o meu prazer não estava naqueles
relatórios repletos de números", diz. Encontrou
prazer como escritora de livros infanto-juvenis. Aprendeu,
no entanto, a tirar proveito de sua vivência empresarial.
Patrícia -que possuía contato com empresas e
tinha estudado planejamento tributário- queria escrever
suas histórias e distribuí-las gratuitamente.
Ela levava um projeto de livro para diretores de empresas
e ensinava como abater os custos de sua produção
dos impostos. Escolhia então as escolas e as entidades
sociais para receberem as doações desses livros.
Daí que não ela não enfrentou dificuldades
para manter a biblioteca ambulante dentro do carro. "No
começo, dava o livro somente por um impulso. Depois,
fui percebendo que as crianças se encantavam com o
inesperado presente. Deixavam o que estavam fazendo e ficavam
sentadas no chão fascinadas com as figuras."
O que era uma prática coletiva está se tornando
um hábito de um grupo de amigos de Patrícia,
a quem ela passou a entregar cotas de seus livros a cada mês
-e assim vai surgindo na cidade de São Paulo uma série
de minibibliotecas ambulantes. "É uma delícia
ver o prazer de quem dá e de quem recebe os livros."
Ela passou a ter cada vez mais pedidos porque os amigos estão
convencendo outros amigos e entrar em essa corrente literária.
Esse jeito de substituir a esmola está começando
a se tornar um livro também: agora inspirando uma nova
história a ser publicada. "Só fico imaginando
a reação das crianças de rua ao lerem
sobre crianças que lêem livros na rua."
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
|