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REFLEXÃO


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urbanidade
05/04/2006
Faculdade da rua

Fábio Henrique Eloreza começou neste ano a estudar direito na PUC. Mas seu grande aprendizado sobre como as leis e os direitos funcionam ou deixam de funcionar ocorre, literalmente, na rua. Para conseguir sobreviver, ele faz bico como motoboy. "Trabalhar no trânsito é uma grande escola sobre como o brasileiro percebe a lei."

Montado em sua moto, ele aprendeu como funciona o submundo das entregas de encomendas. Sem nenhuma proteção trabalhista, seguro de saúde ou de vida, jovens se submetem a situações de extremo estresse. "Muitos deles ficam dirigindo até 16 horas por dia. Afinal, ganham pelo número de encomendas." Isso explica, em boa parte, por que tantos motoboys acabam no pronto-socorro ou no cemitério.

Os acidentes também se explicam pela lógica da impunidade, uma das marcas culturais do país. Tanto os motoboys como os motoristas não respeitam as leis de trânsito: desrespeitam o semáforo, não param na faixa, andam acima do limite de velocidade, embriagam-se, falam ao celular. "Tudo o que se pode aprender numa faculdade de direito sobre a falta de cidadania vemos no trânsito." A começar pela crônica sensação de impunidade. "Pouca gente é punida."

O aprendizado se estende ao movimento sigiloso de roubos das motos. Há todo um comércio de peças que beira a normalidade, tão conhecidos são os endereços de venda clandestina. Isso faz com que, nessas rotas, muitos desconfiem da conivência ou mesmo da participação das autoridades com as quadrilhas.

Além das questões legais, as "aulas" na rua ensinam sociologia para Fábio, quando se tenta entender como um jovem é capaz de se matar em cima de uma moto. O problema se inicia na falta de escolaridade e se aprofunda na baixa geração de empregos. "Os motoboys passam a aceitar qualquer coisa e nas piores condições."

A partir de todas essas observações, Fábio começou, na semana passada, a pensar sobre como mesclar o aprendizado das ruas com os conceitos apreendidos nas aulas de direito. Daí sairia um texto sobre a impunidade. "O que se lê nos livros, um motoboy sente na rua." Justamente para não sentir isso, estuda para ter um diploma de ensino superior.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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