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11/04/2003
-
03h03
crítico da Folha
Quem será o intrigante médico que paira entre os prisioneiros de "Carandiru"? A pergunta não diz respeito ao médico real, autor do relato que deu origem ao filme de Hector Babenco, que, sabe-se, é Drauzio Varella. E sim à figura sem nome que salva e observa os presidiários.
Imagem dupla, de anjo e voyeur. Anjo porque desenvolve um trabalho de prevenção da Aids. Voyeur porque observa um mundo com o qual não se identifica. Apesar de sua voz em off aparecer em alguns momentos, esse homem não é o narrador. Sua função é, basicamente, essa: pairar.
O aspecto voyeurístico da narrativa é intrínseco ao cinema. Quando vemos um filme somos voyeurs. O aspecto anjo nem sempre está presente. Ele é o mais intrigante e o que melhor informa sobre a narrativa de "Carandiru".
Na maior parte dos filmes de Babenco, não existe narrador. Não existe reivindicação de um ponto de vista. Tudo se passa como se as imagens exprimissem a mais pura e completa verdade.
Trata-se de um cinema clássico em sua retórica. Mas esse cinema clássico que conhecemos dá conta de um mundo que aspira ao equilíbrio, é estilisticamente discreto. É um cinema que nunca se estabeleceu de todo no Brasil.
A maior, talvez única exceção é Hector Babenco, que soube ambientar essa retórica nas condições hostis de um país subdesenvolvido, cheio de desigualdades.
No fim dos anos 70, Babenco instaurou seu classicismo particular e bem-sucedido, em filmes como "Pixote" e "Lúcio Flávio". Ali, esse narrador onisciente já não representa o conjunto da sociedade, mas algo como nossa consciência progressista e democrática. A "sociedade civil", no que tem de melhor. A questão que "Carandiru" obriga a formular é: Será que essa adaptação, que tão bem serviu em tempos de autoritarismo, se aguenta em tempos mais democráticos? A minha resposta é: na medida em que se apega à fórmula que funcionou bem em tempos idos, "Carandiru" resvala por vezes no academicismo.
A forma narrativa é a de uma crônica, o que implica num filme sem "plot", sem trama. Dificuldade que contorna bem, ao menos até a hora em que o médico deixa o presídio. Pensamos que o filme acabou, que tudo está dito. Mas não. Depois disso vem o massacre e a implosão. Que relação isso tem com o que se viu antes? Rigorosamente nenhuma. Nada anuncia o massacre. Ele é como que "colado" ao filme, sem que nada o justifique. Se esse final soa como fraqueza, diga-se que Babenco filma isso muito bem, inclusive o massacre, e que a história do malandro Majestade é, por qualquer lado que se veja, um primor.
Avaliação:
Carandiru
Produção: Brasil, 2003
Direção: Hector Babenco
Com: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Rodrigo Santoro
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Central Plaza, Jardim Sul e circuito
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Crítica: Massacre parece colado ao filme "Carandiru"
INÁCIO ARAUJOcrítico da Folha
Quem será o intrigante médico que paira entre os prisioneiros de "Carandiru"? A pergunta não diz respeito ao médico real, autor do relato que deu origem ao filme de Hector Babenco, que, sabe-se, é Drauzio Varella. E sim à figura sem nome que salva e observa os presidiários.
Imagem dupla, de anjo e voyeur. Anjo porque desenvolve um trabalho de prevenção da Aids. Voyeur porque observa um mundo com o qual não se identifica. Apesar de sua voz em off aparecer em alguns momentos, esse homem não é o narrador. Sua função é, basicamente, essa: pairar.
O aspecto voyeurístico da narrativa é intrínseco ao cinema. Quando vemos um filme somos voyeurs. O aspecto anjo nem sempre está presente. Ele é o mais intrigante e o que melhor informa sobre a narrativa de "Carandiru".
Na maior parte dos filmes de Babenco, não existe narrador. Não existe reivindicação de um ponto de vista. Tudo se passa como se as imagens exprimissem a mais pura e completa verdade.
Trata-se de um cinema clássico em sua retórica. Mas esse cinema clássico que conhecemos dá conta de um mundo que aspira ao equilíbrio, é estilisticamente discreto. É um cinema que nunca se estabeleceu de todo no Brasil.
A maior, talvez única exceção é Hector Babenco, que soube ambientar essa retórica nas condições hostis de um país subdesenvolvido, cheio de desigualdades.
No fim dos anos 70, Babenco instaurou seu classicismo particular e bem-sucedido, em filmes como "Pixote" e "Lúcio Flávio". Ali, esse narrador onisciente já não representa o conjunto da sociedade, mas algo como nossa consciência progressista e democrática. A "sociedade civil", no que tem de melhor. A questão que "Carandiru" obriga a formular é: Será que essa adaptação, que tão bem serviu em tempos de autoritarismo, se aguenta em tempos mais democráticos? A minha resposta é: na medida em que se apega à fórmula que funcionou bem em tempos idos, "Carandiru" resvala por vezes no academicismo.
A forma narrativa é a de uma crônica, o que implica num filme sem "plot", sem trama. Dificuldade que contorna bem, ao menos até a hora em que o médico deixa o presídio. Pensamos que o filme acabou, que tudo está dito. Mas não. Depois disso vem o massacre e a implosão. Que relação isso tem com o que se viu antes? Rigorosamente nenhuma. Nada anuncia o massacre. Ele é como que "colado" ao filme, sem que nada o justifique. Se esse final soa como fraqueza, diga-se que Babenco filma isso muito bem, inclusive o massacre, e que a história do malandro Majestade é, por qualquer lado que se veja, um primor.
Avaliação:
Carandiru
Produção: Brasil, 2003
Direção: Hector Babenco
Com: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Rodrigo Santoro
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Central Plaza, Jardim Sul e circuito
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