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12/09/2005 - 18h10

Com tradição de 4 séculos, amish sobrevivem sem TV, carro e telefone

ANA LUCIA BUSCH
Diretora-executiva da Folha Online
ALEXANDRE IMANISHI
da Revista da Folha

Ana Lucia Busch
Crianças Amish voltam para casa, à tarde, depois da aula
Crianças Amish voltam para casa, à tarde, depois da aula
Estados Unidos, final do século 20, a poucas horas de carro de Nova York. Não, não estamos falando de Boston, Washington, Chicago ou qualquer outra cidade que possa caber na descrição acima, mas de uma comunidade rural de 20 mil pessoas que vivem sem telefone, energia elétrica, TV e seguindo as mesmas tradições e crenças que cultivam desde o século 16.

Quem já viu o filme "A Testemunha" com Harrison Ford não vai ter dificuldade em se lembrar dos amish: os homens usando ternos e chapéus pretos, as mulheres com a cabeça coberta por um capuz escuro. Mas o que o filme retrata não agradou nem um pouco o grupo que vive hoje na Pennsylvania, que considerou muito liberal a imagem que se fez deles.

A fita foi toda rodada em Intercourse, uma pequena cidade no interior da Pennsylvania. Lá, apesar das críticas ao roteiro, até mesmo o telefone público que Ford usou em duas cenas ainda é atração turística no WL Zimmerman & Sons. Mas, claro, não é isso que deve mover o turista até lá, mas a paisagem maravilhosa, a arquitetura singular, as pessoas amáveis, a ótima comida.

Para entrar nesse mundo do passado, é preciso estar com o espírito preparado. Em uma interpretação literal da Bíblia, os amish não gostam de ser fotografados, pois, dizem, um cristão não deve manter sua própria imagem gravada.

Clicá-los sem pedir permissão pode criar um incidente, muitas vezes limitado a uma cara feia ou a uma correria desenfreada, como se todo mundo quissesse fugir de você. Também não é fácil conversar com eles nas ruas. Qualquer bate-papo começa invariavelmente pelo clima e dificilmente deixa o terreno das amenidades. Quem não faz parte do grupo é chamado de 'inglês', independentemente da origem.

Aproximação

A melhor maneira de conhecê-los de perto e tentar entender um pouco o que move essa verdadeira obsessão pela simplicidade é visitá-los em suas próprias casas, na verdade uma reunião de construções contíguas que vão se acumulando conforme os filhos se casam e se juntam à matriarca.

Para conseguir isso, é preciso contatar um guia dos Old Older Amish Tours, que na verdade não são amish, mas vão acompanhar o visitante por várias pequenas fazendas ao redor de Intercourse e cidades vizinhas, como New Holland e Bird-in-the-Hand.

O programa termina com um almoço preparado por uma família amish, baseado em carnes e vegetais frescos da própria fazenda, acompanhados por doces, geléias e pães caseiros. É nessa ocasião que os amish se revelam curiosos sobre o que acontece fora de seu mundo. Conhecem muito pouco sobre outros países e mesmo sobre os Estados Unidos. Não falam de política, desconhecem o significado de profissões que são comuns em qualquer lugar do planeta, como jornalista, por exemplo. Pedem explicações o tempo todo e querem sempre mais informação. De si, falam sobre a família, todo e qualquer evento metereológico de que tenham notícia, da vida em comunidade, da religião.

A comida vai ser sempre preparada em fogões a lenha, guardada em geladeiras movidas a gás. A roupa, lavada em máquinas antigas, algumas com mais de 20 anos. Nenhuma casa pode ter telefone, embora hoje uma decisão dos bispos tenha permitido seu uso, desde que estejam instalados em cabines distantes algo como 50 metros do prédio principal.

Uma visita dessas substitui qualquer uma das arapucas criadas para turistas na região, como a Amish Experience Theater & County Homestead, uma réplica de uma habitação tradicional onde são passados filmes, como o que relata o dilema de um homem que tenta decidir sobre ficar ali e seguir as tradições de seus ancestrais ou partir para mundo dos 'ingleses'. Se não der para fugir do menu 'turisteba', o melhor é usar o tempo que sobra para fazer compras. Várias lojas vendem artesanato produzido pelos amish, como bonecas sem face (de novo para não perpetuar imagens de pessoas), capuzes, geléias.

Infelizmente, o contato mais próximo com os amish dificilmente vai se estender para um pernoite. Como alternativa, há fazendas de membros do grupo mennonites, de mesma origem dos amish, mas muito mais liberal. Na Eby's Peaquea Tourist Farm, em Paradise, a poucos quilômetros de Intercourse, a senhora Eby, seu marido e filhos vão receber os visitantes em uma pequena fazenda, com vista para uma das famosas pontes cobertas da região.

Crianças

Para voltar à atmosfera da viagem, acorde cedo e comece a rodar pelas estradas de terra. Logo de manhãzinha, um pouco antes das 7h, dezenas e dezenas de crianças amish vestidas da mesma maneira vão estar fazendo seu caminho a pé para a escola. Escolas amish, claro, já que, seguindo mais uma vez a tradição, elas não podem frequentar escolas regulares.

Educação para elas significa aprender não mais que o necessário para ingressar na vida adulta, na prática, o básico das línguas inglesa e alemã, religião e matemática suficiente para ajudar no comércio, tudo condensado em oito anos. Nenhum membro da comunidade completa os estudos ou vai para a universidade. Para conseguir esse direito nos EUA, foi preciso obter uma decisão da Suprema Corte Americana de 1972 que permitiu que as crianças amish, diferentemente do restante da população do país, interrompam o estudo antes de 16 anos sem qualquer punição.

O caminho da escola também revela outra peculiaridade: não há crianças de bicicletas, por uma razão tão simples como a proibição do uso de rodas de borracha em qualquer veículo amish. Patinetes construídos por eles mesmos com rodas de metais, semelhantes às que movem as carroças, são permitidos e bastante comuns.

Também pela manhã, homens e mulheres começam a trabalhar na agricultura e pecuária, que ocupa a maioria da população. Vão cruzar as pequenas estradas com carroças, tratores e arados puxados por animais. Vez ou outra é possível ver um deles como passageiro em uma automóvel comum. Nada surpreendente, dizem. Embora não possam ter carros, pois, alegam, isso iria criar diferenças sociais inadmissíveis entre eles, os amish não vêm qualquer problema em aceitar a gentileza de um amigo "inglês''.

Mesmo vivendo sem energia elétrica em casa, também freqüentam hospitais e aceitam a medicina moderna.

Pacifistas, os homens jamais se alistam no Exército, sempre usam barba depois que se casam, mas nunca bigode, para eles um símbolo militar, que se recusam a manter como forma de protesto a perseguições religiosas de que foram vítimas na Europa há quatro séculos.

Todos os ternos pretos têm o nome do dono bordado na lapela, já que não há outra maneira de distingui-los entre si quando, por exemplo, são deixados na porta da igreja. As mulheres usam vestidos pretos com aventais coloridos, sem estampas e estão sempre com um capuz que cobre o cabelo preso.

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