São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 1999



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  ELITE CIENTÍFICA CRIOU A ARMA MAIS DESTRUTIVA PARA ATACAR A ALEMANHA, MAS O ALVO ACABOU SENDO AS CIDADES DE HIROXIMA E NAGASAKI. SALDO: 205 MIL EM DUAS EXPLOSÕES

Explosão divide a história humana | Espírito da época

Explosão divide a história humana

Especial para a Folha

As bombas atômicas que mataram dezenas de milhares de japoneses nas cidades de Hiroxima e Nagasaki foram criadas com a mais nobre das intenções. A fabricação dessas armas apocalípticas foi capitaneada pela elite da comunidade científica mundial. E pelo resto do século 20 a humanidade viveu debaixo da ameaça de um arsenal nuclear capaz de destruí-la várias vezes.
O Japão não era o alvo previsto para a bomba. O objetivo do que os americanos batizaram de Projeto Manhattan era fazer frente ao mais perigosos dos dois inimigos, a Alemanha de Hitler. O projeto foi chefiado pelo físico Julius Robert Oppenheimer (1904-1967).
Durante a Guerra Fria entre EUA e União Soviética, o então presidente americano Ronald Reagan chamou seus rivais de “império do mal”. O título se encaixaria perfeitamente na Alemanha nazista, um regime político baseado no racismo, na agressão militar e até na escravidão de milhões de trabalhadores.
Contra esse inimigo, os cientistas não pensaram muito antes de se engajar na fabricação de uma bomba. A tradição de recrutar pesquisadores para o esforço de guerra começara já no conflito de 1914. Entre 1939-1945, essa contribuição foi fundamental. Basta lembrar a invenção do radar.
Como disse o primeiro-ministro britânico Sir Winston Churchill (1874-1965), em um discurso em 1942, “os últimos refinamentos da ciência estão ligados às crueldades da Idade da Pedra”.
É possível contar a história da bomba usando apenas citações clássicas de Churchill, certamente um dos maiores criadores de frases memoráveis do século 20.
E para mostrar o que era a corrida armamentista nuclear entre URSS e EUA, ele usou outra expressão feliz: “balanço de terror”.
As dúvidas dos cientistas sobre o monstro que tinham produzido surgiram quando a bomba foi testada pela primeira vez em um deserto americano em 1945. E aumentaram muito quando foram jogadas duas delas sobre cidades japonesas.
Em Hiroxima, uma bomba feita de urânio enriquecido foi jogada em 6 de agosto de 1945. Mortos e feridos passaram de 130 mil, e 90% da cidade virou entulho.
Em Nagasaki, em 9 de agosto, foi a vez de mais 75 mil pessoas serem mortas ou feridas, e um terço da cidade foi arrasado.
Os alemães tinham se rendido em maio. O primeiro teste de uma bomba foi apenas em 16 de julho. Os japoneses estavam quase se rendendo. A bomba foi o golpe final, e até hoje se debate se ela seria necessária ou não.

Bombas convencionais
Apesar do horror que provoca a destruição de uma cidade por apenas uma bomba lançada por um bombardeiro B-29, é apenas o fato de ser uma arma diferente que destoa do padrão de comportamento durante a Segunda Guerra. Tanto os países do Eixo _Itália, Alemanha e Japão_, como os principais aliados _EUA, Reino Unido e URSS_ bombardearam civis indiscriminadamente durante todo o conflito.
O bombardeio mais letal de toda a guerra foi feito com bombas “convencionais” sobre Tóquio, em 9 de março de 1945. Foram 334 bombardeiros B-29 carregados de bombas explosivas e incendiárias. O resultado foi matar 80 mil japoneses na hora, deixar outros 40 mil feridos, arrebentar 267 mil edifícios, e deixar 1 milhão de desabrigados. Os americanos perderam apenas 14 aviões.
Aqui cabe mais uma citação do emérito frasista Churchill: “Embora eu esteja bastante contente com os explosivos existentes, eu acho que nós não devemos bloquear o caminho do aperfeiçoamento”. Esses foram seus comentários em resposta ao trabalho de um comitê que afirmara _em 1941_ ser tecnicamente possível construir uma bomba de urânio.
Também foi possível depois da guerra aumentar a escala potencial de destruição ao se produzir uma arma ainda mais poderosa, a bomba de hidrogênio. Basta ver que o “gatilho” para uma bomba de hidrogênio costuma ser uma bomba atômica.
Para medir o poder explosivo de uma bomba nuclear se usam os termos “kiloton” e “megaton”. Um kiloton equivale à explosão de mil toneladas de TNT (trinitrotolueno); um megaton equivale a 1 milhão de toneladas desse explosivo.
A bomba de Hiroxima tinha cerca de 18 kilotons. Em meio século de produção de armas nucleares, EUA e URSS construíram um arsenal de 7.500 megatons _isto é, poderio suficiente para criar 416.666 Hiroximas.
Para que tanta bomba? Não é fácil dar uma resposta simples. Um dos subprodutos da bomba foi a criação de uma nova categoria acadêmica, o estrategista nuclear.
Curiosos artigos publicados em revistas técnicas discutiam quantos poderiam morrer em um “first strike” (ataque inicial), qual a probabilidade de silos de mísseis serem 100% destruídos levando-se em conta esotéricos cálculos de probabilidade de acerto versus megatonelagem, quanto sobraria de mísseis _no ar, no mar ou em terra_ para um segundo ataque, e assim por diante.
Uma vez dado o impulso inicial, a corrida armamentista foi se acelerando e se alimentando de novos avanços tecnológicos e realidades políticas.
EUA e URSS são igualmente culpados. Nem sempre os argumentos do complexo militar-industrial foram honestos. Em dados momentos justificou-se um aumento no poderio americano com base em inexistentes “janelas de vulnerabilidade”.
Em 1945 só os EUA tinham a bomba. Em 1949 os soviéticos tinham a sua. Mas nas primeiras décadas da Guerra Fria entre ocidente capitalista e oriente comunista a superioridade militar americana era incontestável.
Além de ter mais bombas, os EUA tinham melhores meios para jogá-las na URSS, incluindo bases em território europeu.
Quando os soviéticos tentaram colocar mísseis em Cuba em 1962 detonou-se uma crise que ainda hoje é considerada o momento mais quente da Guerra Fria. Os rivais se encararam, e a URSS piscou primeiro. Mas essa perda de prestígio levou em seguida a um desenvolvimento intenso do arsenal nuclear soviético. Nas décadas de 70 e 80 já havia paridade entre os arsenais, mesmo levando em conta as diferenças no tipo de armas (de modo geral, mísseis mais precisos americanos tinham como contrapartida bombas mais poderosas soviéticas).
Com o fim da Guerra Fria, ressurge agora o temor da “proliferação” do armamento nuclear. Índia e Paquistão são os novos membros do clube que inclui França, China, Reino Unido e Israel. Ao menos todos os testes são feitos subterraneamente; mas é cedo para dizer que a última bomba atômica foi explodida.
(RICARDO BONALUME NETO)

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