São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 1999



1914
1917
1929
1939
1945
1949
1968
1969
1979
1989
Brasil
Pioneiros
Galeria
 
   
  OS RUSSOS SAÍRAM NA FRENTE, MAS QUANDO “A ÁGUIA POUSOU”, SENHA DO SUCESSO DA OPERAÇÃO, OS EUA CONSOLIDARAM UMA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA QUE REPERCUTE ATÉ HOJE

Guerra Fria lança a última aventura | Espírito da época

Guerra Fria lança a última aventura

MARCELO FERRONI
Editor-assistente de Ciência

Pousar na Lua foi a última grande aventura humana. Uma epopéia que envolveu disputa entre duas potências (EUA e URSS), bilhões de dólares, superação de limites humanos e tecnológicos e, é claro, uma dose de sorte.
O processo de aterrissagem da cápsula lunar Eagle, em 20 de julho de 1969, revela muito de todo o processo que levou o homem à Lua. Foram momentos de tensão. Apesar de os astronautas terem à mão a mais alta tecnologia, recorreram à improvisação.
Buzz Aldrin e Neil Armstrong, com a barba de quatro dias de viagem, começaram a se preocupar com a aterrissagem quando todos os pontos de checagem na Lua apareciam dois segundos antes do previsto e o computador de bordo não reconhecia o erro _sua memória, de 32 kbytes, equivale hoje à de uma agenda eletrônica bem simples.
A 12 quilômetros de altura, os dados reais não coincidiam com os pré-programados. Ao tentar corrigi-los, o computador soou o alarme por estar sobrecarregado.
A 300 metros do solo, quando o alarme deixou de soar, Armstrong examinou o local de pouso e não gostou do que viu: uma cratera do tamanho de um campo de futebol, com pedras do porte de automóveis nas bordas.
A apenas 100 metros, Armstrong desligou o sistema automático e assumiu os controles em busca de um local adequado. Finalmente, com combustível para voar apenas 20 segundos, o astronauta conseguiu descer o módulo na superfície lunar, a seis quilômetros do ponto previsto. “A Águia (Eagle) pousou”, disse. Eram 17h17 em Brasília.
Armstrong pisou na Lua 6 horas e 39 minutos depois, colocando fim a uma corrida que havia se iniciado no início da década de 60, com um discurso do presidente John F. Kennedy. “Acredito que essa nação deveria se comprometer, antes que a década acabe, a levar um homem à Lua e o trazer com segurança de volta à Terra”, disse ao Congresso, em 1961.
“Kennedy entendia a importância científica da missão, mas essa não foi a principal razão para o homem ter chegado à Lua na década de 60”, diz o jornalista norte-americano Andrew Chaikin. “O que tornou tudo diferente foi a competição com os soviéticos.”
Chaikin é autor do livro “A Man on the Moon”, que conta a história do programa Apollo, desde o incêndio da Apollo 1, em 1967, que matou três astronautas em terra, até a Apollo 17, última missão tripulada à Lua, em 1972.
Os EUA precisavam ir à Lua para reverter a série de derrotas no espaço para os soviéticos. A URSS havia sido a primeira a colocar um satélite artificial na órbita da Terra, o Sputnik 1 (1957), a ter o primeiro ser humano na órbita terrestre, Yuri Gagarin (1961), a primeira mulher, Valentina Chereshkova, além de o primeiro vôo espacial em conjunto, com as cápsulas Vostok 3 e 4, e o primeiro passeio de cosmonauta fora da cápsula, feito de Alexei Leonov.
Para alcançar o objetivo, os engenheiros da Nasa, a agência espacial norte-americana, precisaram se desdobrar para fazer o que parecia impossível.
Antes do acidente com a Apollo 1, Gus Grissom, astronauta que morreria no incêndio, dizia: “Como conseguiremos chegar à Lua se não conseguimos nos comunicar nem entre três edifícios?”. Era janeiro de 1967, e a cápsula que deveria levar o homem à Lua tinha tantos problemas que parecia impossível chegar ao fim da década com a missão cumprida.
A “revolução” tecnológica, no entanto, cumpriu o prazo de Kennedy. “O foguete Saturn 5 era uma verdadeira obra de arte. Nunca teve um lançamento catastrófico”, diz Chaikin.
As naves que levaram os homens à Lua nunca tinham sido desenvolvidas antes. O módulo lunar, por exemplo, foi a primeira nave criada para operar somente no espaço _daí sua forma peculiar, como uma aranha, sem nenhum desenho aerodinâmico.

Frigideiras e supercolas
Os avanços científicos com o projeto Apollo também não podem ser descartados. “A ciência era um efeito secundário, mas o programa trouxe um sucesso científico tremendo”, diz Timothy Swindle, do Laboratório Planetário e Lunar da Universidade do Arizona, nos EUA.
“Sabemos mais sobre a história inicial da Lua do que a da Terra. Em parte porque a Lua é um corpo mais simples, mas, mesmo assim, esse é um indício que aprendemos somente como resultado das amostras obtidas pelas missões Apollo”, afirma Swindle.
Além do avanço tecnológico e científico, a corrida à Lua também trouxe inovações para o dia-a-dia. É o caso do teflon que recobre panelas e frigideiras, de tintas anticorrosivas, de supercolas à base de silicone e de filtros de água e ar usados por médicos.
As pesquisas geraram também os tecidos de náilon resistentes ao fogo, criados para revestir os trajes dos astronautas e que, atualmente, são usados por bombeiros e pilotos de corrida.
Os produtos poderiam ter sido criados mais cedo ou mais tarde, mesmo sem as missões Apollo. O que houve foi uma aceleração em seus desenvolvimentos.
A missão à Lua mostrou um ímpeto desbravador que mudaria no decorrer do programa espacial. “Quando a Apollo 11 pousou, já éramos um povo mudado. Na época da Apollo 17 (última missão tripulada à Lua, em 1972), éramos inquestionavelmente diferentes da nação que tínhamos sido em 1961”, escreveu Chaikin.
Segundo ele, é difícil que surja uma nova meta que impulsione a exploração espacial novamente.
“Nunca teremos um objetivo tão claro como chegar à Lua”, diz. O fim da Guerra Fria e a falta de tal objetivo faz com que as missões atuais, dessa vez rumo a Marte, tenham menos apoio da opinião pública e verbas reduzidas.
“É muito difícil ir a Marte, e é preciso muito dinheiro”, afirma Anthony Spear, gerente de projeto da sonda Mars Pathfinder, da Nasa, que pousou no planeta vermelho em 1997. Atualmente, Marte não é uma prioridade, como era a Lua nos anos 60.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.