São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 1999 |
Guerra Fria lança a última aventura | Espírito da época Guerra Fria lança a última aventura MARCELO FERRONI Editor-assistente de Ciência Pousar na Lua foi a última grande aventura humana. Uma epopéia que envolveu disputa entre duas potências (EUA e URSS), bilhões de dólares, superação de limites humanos e tecnológicos e, é claro, uma dose de sorte. O processo de aterrissagem da cápsula lunar Eagle, em 20 de julho de 1969, revela muito de todo o processo que levou o homem à Lua. Foram momentos de tensão. Apesar de os astronautas terem à mão a mais alta tecnologia, recorreram à improvisação. Buzz Aldrin e Neil Armstrong, com a barba de quatro dias de viagem, começaram a se preocupar com a aterrissagem quando todos os pontos de checagem na Lua apareciam dois segundos antes do previsto e o computador de bordo não reconhecia o erro _sua memória, de 32 kbytes, equivale hoje à de uma agenda eletrônica bem simples. A 12 quilômetros de altura, os dados reais não coincidiam com os pré-programados. Ao tentar corrigi-los, o computador soou o alarme por estar sobrecarregado. A 300 metros do solo, quando o alarme deixou de soar, Armstrong examinou o local de pouso e não gostou do que viu: uma cratera do tamanho de um campo de futebol, com pedras do porte de automóveis nas bordas. A apenas 100 metros, Armstrong desligou o sistema automático e assumiu os controles em busca de um local adequado. Finalmente, com combustível para voar apenas 20 segundos, o astronauta conseguiu descer o módulo na superfície lunar, a seis quilômetros do ponto previsto. “A Águia (Eagle) pousou”, disse. Eram 17h17 em Brasília. Armstrong pisou na Lua 6 horas e 39 minutos depois, colocando fim a uma corrida que havia se iniciado no início da década de 60, com um discurso do presidente John F. Kennedy. “Acredito que essa nação deveria se comprometer, antes que a década acabe, a levar um homem à Lua e o trazer com segurança de volta à Terra”, disse ao Congresso, em 1961. “Kennedy entendia a importância científica da missão, mas essa não foi a principal razão para o homem ter chegado à Lua na década de 60”, diz o jornalista norte-americano Andrew Chaikin. “O que tornou tudo diferente foi a competição com os soviéticos.” Chaikin é autor do livro “A Man on the Moon”, que conta a história do programa Apollo, desde o incêndio da Apollo 1, em 1967, que matou três astronautas em terra, até a Apollo 17, última missão tripulada à Lua, em 1972. Os EUA precisavam ir à Lua para reverter a série de derrotas no espaço para os soviéticos. A URSS havia sido a primeira a colocar um satélite artificial na órbita da Terra, o Sputnik 1 (1957), a ter o primeiro ser humano na órbita terrestre, Yuri Gagarin (1961), a primeira mulher, Valentina Chereshkova, além de o primeiro vôo espacial em conjunto, com as cápsulas Vostok 3 e 4, e o primeiro passeio de cosmonauta fora da cápsula, feito de Alexei Leonov. Para alcançar o objetivo, os engenheiros da Nasa, a agência espacial norte-americana, precisaram se desdobrar para fazer o que parecia impossível. Antes do acidente com a Apollo 1, Gus Grissom, astronauta que morreria no incêndio, dizia: “Como conseguiremos chegar à Lua se não conseguimos nos comunicar nem entre três edifícios?”. Era janeiro de 1967, e a cápsula que deveria levar o homem à Lua tinha tantos problemas que parecia impossível chegar ao fim da década com a missão cumprida. A “revolução” tecnológica, no entanto, cumpriu o prazo de Kennedy. “O foguete Saturn 5 era uma verdadeira obra de arte. Nunca teve um lançamento catastrófico”, diz Chaikin. As naves que levaram os homens à Lua nunca tinham sido desenvolvidas antes. O módulo lunar, por exemplo, foi a primeira nave criada para operar somente no espaço _daí sua forma peculiar, como uma aranha, sem nenhum desenho aerodinâmico. Frigideiras e supercolas Os avanços científicos com o projeto Apollo também não podem ser descartados. “A ciência era um efeito secundário, mas o programa trouxe um sucesso científico tremendo”, diz Timothy Swindle, do Laboratório Planetário e Lunar da Universidade do Arizona, nos EUA. “Sabemos mais sobre a história inicial da Lua do que a da Terra. Em parte porque a Lua é um corpo mais simples, mas, mesmo assim, esse é um indício que aprendemos somente como resultado das amostras obtidas pelas missões Apollo”, afirma Swindle. Além do avanço tecnológico e científico, a corrida à Lua também trouxe inovações para o dia-a-dia. É o caso do teflon que recobre panelas e frigideiras, de tintas anticorrosivas, de supercolas à base de silicone e de filtros de água e ar usados por médicos. As pesquisas geraram também os tecidos de náilon resistentes ao fogo, criados para revestir os trajes dos astronautas e que, atualmente, são usados por bombeiros e pilotos de corrida. Os produtos poderiam ter sido criados mais cedo ou mais tarde, mesmo sem as missões Apollo. O que houve foi uma aceleração em seus desenvolvimentos. A missão à Lua mostrou um ímpeto desbravador que mudaria no decorrer do programa espacial. “Quando a Apollo 11 pousou, já éramos um povo mudado. Na época da Apollo 17 (última missão tripulada à Lua, em 1972), éramos inquestionavelmente diferentes da nação que tínhamos sido em 1961”, escreveu Chaikin. Segundo ele, é difícil que surja uma nova meta que impulsione a exploração espacial novamente. “Nunca teremos um objetivo tão claro como chegar à Lua”, diz. O fim da Guerra Fria e a falta de tal objetivo faz com que as missões atuais, dessa vez rumo a Marte, tenham menos apoio da opinião pública e verbas reduzidas. “É muito difícil ir a Marte, e é preciso muito dinheiro”, afirma Anthony Spear, gerente de projeto da sonda Mars Pathfinder, da Nasa, que pousou no planeta vermelho em 1997. Atualmente, Marte não é uma prioridade, como era a Lua nos anos 60. |
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