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Crítica - Drama

Filme de Lúcia Murat ganha ao fugir do discurso de poder

'A Memória que me Contam' celebra ativista Vera Magalhães, morta em 2007

ALTOS E BAIXOS FAZEM DO FILME UM TESTEMUNHO GERACIONAL EM QUE A PAIXÃO NÃO RARO IMPÕE-SE À FORMA

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

Desde "Que Bom te Ver Viva" (1989), pelo menos, Lúcia Murat é a cineasta da sobrevivência e da memória. De uma memória específica: a da guerrilha da virada dos anos 1960/1970 e de sua geração de militantes políticos.

O cinema entra em sua vida sobretudo como uma forma de resgate. No caso de "A Memória que me Contam", que estreia hoje, resgate e homenagem a Vera Sílvia Magalhães, militante em quem a diretora vê as mais profundas distinções: da inteligência e sensibilidade à coragem.

No filme, a heroína chama-se Ana (Simone Spoladore). Sabemos que ela está no hospital, internada, mas só a vemos na juventude, lembrada pelos companheiros, especialmente por Irene (Irene Ravache), alterego da diretora.

Não importa muito saber até onde a militante é idealizada. Ela vive e é representada pela memória de Irene, que tenta transmitir à geração de seu filho o que foram aqueles anos, a repressão, a tortura (à qual Ana resistiu bravamente), os ideais, o envelhecimento, o esquecimento...

Murat faz filmes, quase sempre, para que essas coisas não sejam esquecidas. É um objetivo que ancora o seu cinema: é um porto seguro; é também seu limite. Trata-se de demonstrar que existe outro discurso além do oficial (isto é, produzido no próprio tempo do poder militar). Trata-se também de impor um novo discurso. Em definitivo, o jogo do poder não acabou para Murat. E o cinema é um instrumento dessa luta.

Por vezes, no entanto, o cinema escapa a esse discurso de poder, momentos em que o filme se torna mais interessante. Por exemplo, a ideia de fazer do filho de Irene um homossexual: para uma mulher (e seu círculo de amigos) preocupada em controlar as coisas ao seu redor, a orientação do filho dá mostra de um surpreendente despojamento: de repente, a política é posta em surdina por uma geração cujas prioridades de luta não apenas são outras, mas, de certa forma, relegam ao passado os ideais da mãe.

Ao mesmo tempo, não se compreende muito bem por que Lúcia Murat de repente introduz uma cena de amor entre o filho e seu namorado. Não é de um filme sobre sexualidades que se trata. Essa extemporânea intromissão do sexo na narrativa é bem indicativa dos altos e baixos que fazem deste filme aquilo que é, para o melhor e para o pior: um testemunho geracional em que a paixão não raro impõe-se à forma.


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