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 37ª Mostra

Cinema perdeu origem, diz diretor de 'Cães Errantes'

Ming-Liang admite que pode deixar carreira marcada por estética radical

Cineasta conta que seus atores decidem qual a duração das tomadas e acredita que o público às vezes saia das salas

RODRIGO SALEM ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

O diretor Tsai Ming-Liang se sente incomodado com o cinema atual. Acredita que tudo é muito rápido, artificial. Conhecido por ser um dos mestres do "slow cinema" (cinema devagar), subgênero que privilegia longas tomadas e poucos cortes, o malaio criado na China admite que pode estar deixando a carreira como cineasta, mas não crava a aposentadoria.

"Está cada vez mais difícil criar no cinema moderno, que esqueceu completamente suas origens", diz Tsai, indo ainda mais fundo em seu radicalismo estético no novo longa "Cães Errantes", destaque de hoje na Mostra.

No drama, o cineasta não se preocupa com nenhuma regra de roteiro que leve o espectador a um lugar imposto. Há longas tomadas que capturam uma família miserável, um pai e dois filhos, que vive em antigas construções na capital de Taiwan.

"O que procuro oferecer é a liberdade do tempo", conta ele. "Os atores que decidem a duração da tomada, assim como o espectador, que pode sair do cinema ou simplesmente fechar os olhos."

Selecionado quatro vezes para a competição oficial em Cannes e seis para Berlim, "Cães Errantes" chega à São Paulo com o Grande Prêmio do Júri de Veneza, onde também faturou o Leão de Ouro, em 1994, por "Viva o Amor" --seu "O Rio" ganhou uma menção honrosa na mostra brasileira em 1997.

O estilo é amado pela crítica, mas o próprio diretor concorda ser difícil para uma plateia cada vez mais impaciente. "A vida é a gênese do meu cinema, é uma linguagem. Nossa vida nem sempre é emocionante. Há muitos momentos de tédio e é isso que me interessa, pois se aproxima da nossa insignificância", afirma. "Temos uma ideia pré-formada de que um filme precisa ter roteiro ou uma história, mas não é assim."

Em "Cães Errantes", Tsai confessa que o mais difícil foi se livrar das amarras do cinema tradicional. "O objetivo era me livrar da história da família. Não preciso oferecer respostas", diz. "O filme é como a lua. Você pode contemplá-la, porque ela está lá, parada, ou pode ignorá-la. Mas é preciso aceitar que existe."

Para chegar a esse formato, ele assiste aos filmes pelo menos três vezes ("Uma em uma pequena tela, no set, outra na edição e finalmente no cinema") e tenta filmar o mais rápido possível, por mais contraditório que possa parecer.

"O primeiro take normalmente é onde está toda a energia do ator", diz. "Em Viva o Amor', o ator Chen Chao-jung se dedicou tanto à primeira tomada que ficou cansado e não conseguiu mais repetir."

"Cães Errantes" tem vários momentos que exigem isso do protagonista, o ótimo Lee Kang-sheng, ator preferido de Tsai, que faz uma "placa publicitária ambulante", carregando painéis por horas a fio em Taipé. Em uma delas, ele surta e interage de forma bizarra com um repolho, em um dos grandes momentos do longa. "Sinto que foram 20 anos de carreira dedicados a essa cena", exalta o malaio. "A câmera é uma ferramenta muito curiosa, não?"


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