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 37ª Mostra

'Feio, Eu?' representa o cinema de resistência

Helena Ignez, atriz do cinema novo e do marginal, dirige longa preservando o inconformismo dos anos 1970

NÃO, OS ATORES NÃO SÃO RICOS, NÃO RESPONDEM AOS PADRÕES DE BELEZA CORRENTES NEM PROCURAM SE APROXIMAR DELE

INÁCIO ARAUJO CRÍTICO DA FOLHA

Num programa de televisão (salvo grande erro, o de Miguel de Almeida para a TV Sesc), Helena Ignez falava de seu trabalho em "Assalto ao Trem Pagador", de Roberto Faria, de maneira quase enigmática. Referia-se a "um filme que já estava feito" no momento em que era feito.

O que pode significar isso? Talvez que, embora um clássico do cinema brasileiro, "Assalto" fosse um filme, afinal de contas, tradicional.

Passaram-se disso 50 anos. Passou o cinema novo, passou o cinema dito marginal --protagonizou a ambos como atriz. Chegamos ao século 21. E Helena Ignez encarna hoje, talvez mais do que ninguém, esse espírito de resistência ao cinema dominante. Ao cinema, mais do que nunca, "já feito": de espetáculo, ou conformista, ou ainda aquele que imagina necessário refugiar-se na insignificância para ter contato com o espectador.

Isso já se manifestava em "Luz nas Trevas", com seu título bem significativo, em que Helena construiu um roteiro a partir das anotações de Rogério Sganzerla, seu marido, após sua morte (em 2004) e dirigiu o filme em conjunto com Ícaro Martins. Depois desse filme "herdado", digamos assim, seu trabalho continua e até mesmo acentua esse vínculo ao inconformismo que se manifestou com mais força nos anos 1970.

"Feio, Eu?" é um claro exemplo disso. Foi feito a partir de quase nada, a partir de uma oficina para atores. O questionamento já começa pelo título, que de cara se opõe à cultura da beleza física disseminada com mais intensidade nos últimos anos. Não, os atores não são ricos, não respondem aos padrões de beleza correntes, nem procuram se aproximar dele.

A própria diretora, num dos momentos mais marcantes, veste um sintomático cocar e sai dançando na cidade: uma aproximação bem "cinema experimental" entre selva e asfalto, branco e índio, o feio e o negro, cultura oficial e cultura negada.

À maneira de certos filmes do cinema marginal, não existe uma narrativa inteira, anterior ao próprio fazer do filme. Ele vai jorrando como um rio tumultuado, com as telas não raro estourando nas várias imagens do "split scream", recusando-se a abrir mão da opacidade, abrindo-se a outras partes do mundo.

Já pela proposição, o filme se abre à irregularidade: há momentos notáveis, que concentram todo um pensamento sobre o Brasil e o tempo presente. Há outros menos interessantes, num conjunto que merece toda a atenção.


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