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Crítica - História

Autor faz uma interpretação notável sobre Jerusalém

JOÃO PEREIRA COUTINHO ESPECIAL PARA A FOLHA

A UNICIDADE DE DEUS DEVE SER UMA PROPOSTA INCLUSIVA, ONDE TODAS AS CRIATURAS SÃO CONVIDADAS PARA SENTAR À MESMA MESA, E NÃO COMO A EXPRESSÃO COERCIVA DE QUEM PRETENDE SUBJUGAR TERCEIROS À SUA VERDADE REVELADA

Sempre que alguém fala no conflito israelense-palestino, Jerusalém é um tema fundamental. Razão evidente: a cidade é reclamada por judeus e árabes como capital dos respectivos Estados.

Na história do conflito, já houve propostas para todos os gostos: transformar Jerusalém em "cidade franca", sob supervisão internacional; dividir a cidade irmãmente entre ambos os povos; ou, como agora acontece, manter a cidade sob administração de um deles (os israelenses, depois da ocupação da zona oriental na Guerra dos Seis Dias de 1967).

Mas não é possível entender o mais intratável conflito do nosso tempo sem regressar sempre a Jerusalém.

James Carroll, autor de "Jerusalém, Jerusalém", concorda. Mas Carroll vai ainda mais longe: não é apenas o conflito israelense-palestino que nos obriga a regressar a Jerusalém. A história da civilização começa (e, para muitos, acaba) na cidade assim chamada.

DESEJO MIMÉTICO

Como explicar a centralidade de um lugar que, por experiência pessoal, se apresenta aos olhos do turista como razoavelmente anódino e inóspito?

Carroll, antigo sacerdote cristão com sentido crítico apuradíssimo, socorre-se do grande pensador René Girard para apresentar a "febre de Jerusalém" à luz do "desejo mimético": sucessivas culturas foram atraídas por Jerusalém porque as culturas anteriores já haviam eleito o lugar como pedra fundacional (e sacrificial) dos seus respectivos povos.

E os seres humanos, afirma Carroll seguindo Girard, não desejam necessariamente aquilo de que precisam. Eles desejam aquilo que os outros desejam.

Assim foi com os originais israelitas do tempo de David, que fizeram de Jerusalém o centro físico e espiritual da sua ligação a um único Deus.

E assim foi com todos os povos que vieram a seguir: dos romanos aos muçulmanos; dos muçulmanos aos cruzados; dos cruzados aos turcos otomanos; dos otomanos às potências ocidentais que saíram vitoriosas da Primeira Guerra Mundial (1914- 1918).

Sem esquecer, obviamente, as sucessivas vagas de imigração judaica (e sionista) que, em finais do século 19 e procurando escapar aos pogroms da Europa oriental, regressaram a Jerusalém depois de uma diáspora milenar.

E quando Jerusalém estava demasiado longe para quem decidia rumar em sentido inverso, a cidade era (re)criada como uma "Nova Jerusalém": a "cidade no topo do monte" que recebeu os imigrantes do Velho Mundo quando eles chegaram ao Novo Continente.

PROPOSTA INCLUSIVA

O livro de James Carroll é uma interpretação notável sobre a história de Jerusalém: não apenas a Jerusalém "real", mas também a Jerusalém imaginada, sublimada -e desejada.

Mas é mais que isso: tratando-se de um antigo sacerdote, Carroll procura mostrar como a "febre de Jerusalém", a disputa constante por um território onde sucessivas civilizações projetaram as suas fantasias milenaristas, só pode ser temperada por uma compreensão mais "ecumênica" do verdadeiro espírito religioso.

A unicidade de Deus, sistematizada pelo povo hebraico nos anos do exílio babilônico e mimetizada pelas religiões abrâmicas posteriores, não é uma proposta que exclui (e demoniza) o Outro.

Pelo contrário: deve ser uma proposta inclusiva, onde todas as criaturas são convidadas para sentar à mesma mesa.

E "convidadas" é o termo: a religião deve apresentar-se como um convite, não como a expressão coerciva de quem pretende subjugar terceiros à sua Verdade revelada.

Eis um livro que merece leitura atenta: não apenas pelos fanáticos religiosos. Mas também pelos fanáticos seculares que mimetizam os fanáticos religiosos.


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