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Renato Tagnin

SIM

Discreta crise

São Paulo deve racionar água?

O racionamento é um fato, não uma possibilidade. Em vários municípios vizinhos e áreas periféricas de São Paulo e Campinas, ele tem sido aplicado, e o IBGE vem registrando sua ocorrência há tempos, mesmo depois de anunciada a "universalização" do abastecimento.

Então, onde estaria a novidade? Na possibilidade de generalização desse procedimento e em quem poderá ser atingido. Trata-se, portanto, de outra escolha política que também não deveria ser ocultada por argumentos técnicos ou restrita a círculos especializados, pois envolve um recurso essencial à vida.

Esses procedimentos, infelizmente, não constituem novidade e não é por outra razão que uma gestão compartilhada e democrática da água vem sendo objeto do esforço de diversos segmentos no país. Contudo, ainda estamos muito distantes dela, por razões que incluem o poder assegurado a tradicionais beneficiários da água, como os grandes consumidores e poluidores; a precária difusão de informações sobre sua disponibilidade, qualidade e ameaças; além da imposição do paradigma do crescimento econômico, com base no uso ilimitado de recursos finitos como a água.

O racionamento para os que têm sido, até aqui, poupados pode constituir um primeiro revés a todas essas razões e, talvez por isso, ele esteja sendo tão intensamente evitado. Ao acirrar os ânimos dos segmentos sociais mais influentes nos meios de comunicação, esse racionamento pode ameaçar a "discrição" da crise atual e ampliar o questionamento de suas causas, soluções e do desempenho dos responsáveis, em pleno ano de eleições.

Falta água? Uma população de mais de 20 milhões de pessoas vivendo na cabeceira do rio Tietê e seus afluentes não nos coloca em posição confortável na relação disponibilidade/demanda. A chuva que cai em São Paulo percorre a atmosfera poluída, incorpora suas substâncias e encontra poucos lugares vegetados para amortecer sua queda, infiltrar-se e purificar-se.

O percurso se constitui sobretudo de áreas urbanizadas e degradadas, produtoras de resíduos, substâncias perigosas e esgotos. Aí se processa um dos maiores usos regionais da água que é o de lavar a cidade, arrastando a sujeira por córregos e canos, mananciais abaixo.

Pior, as cidades dessa região não param de se expandir. A valorização imobiliária das áreas centrais promovida pelo investimento público é apropriada por alguns e desaloja muitos, obrigados e se afastar, seguindo o rumo contrário ao da qualidade de vida urbana.

Além desses, que não escolheram morar mal e longe (em geral, com racionamento de água), a mancha urbana se estende com os empreendimentos de maior renda para os que preferem morar no "campo" sem racionamento. Esse deslocamento amplia o desmatamento e a ilha de calor, atraindo para as áreas urbanas mais densas as chuvas que cairiam nos mananciais, piorando as inundações e as secas.

Nossa água é preciosa demais para ser desperdiçada em inundações. Tratar tão mal as águas limpas, empurrando as sujas para outras cidades, sem responsabilizar os grandes consumidores e poluidores não nos qualifica a suprimir as dos vizinhos.

Uma gestão que também não se prepara para a previsível variabilidade climática não pode atribuir às mudanças globais a escassez nem tentar solucioná-la com a receita de sempre: obras cada vez mais caras, distantes e impactantes, para manter vantagens e aparências.

O desejável é o contrário: que essa crise nos permita rever profundamente a gestão das metrópoles, propiciando o que alguns autores têm chamado de "hidrossolidariedade", isto é, o compartilhamento da água com os segmentos sociais e regiões mais necessitados e vulneráveis, submetidos há tempos ao racionamento informal.


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