Novelas de Contreras expõem ambiguidade da América Latina

ROBERTO TADDEI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A história da América Latina é marcada por ambiguidades, com as conhecidas oscilações entre a vocação para redimir o velho mundo de seus erros originários e a experiência real de desastres humanitários e ambientais.

Essa característica transparece na literatura produzida no continente como uma urgência no entendimento de nosso destino, "antes que a definitiva noite se espalhe em LatinoaméricaLatino América", para citar os versos de Gil, Torquato e Capinam, da música "Soy Loco por Ti, America", e que dá nome ao novo romance de Javier Arancibia Contreras.

O livro é uma colagem de quatro breves e engenhosas novelas que se passam entre os anos 1970 e os dias atuais.

Na primeira, um professor argentino se torna obituarista de um um jornal de Buenos Aires, alcançando enorme sucesso, até ser escalado para cobrir a Guerra das Malvinas e escrever um livro sobre os combatentes mortos na disputa com a Grã-Bretanha.

A segunda e mais forte das quatro trata do grafiteiro Santiago Lazar, fugido do Chile no início da ditadura de Pinochet., em uma sequência narrativa arrebatadora.

Seu "único erro foi ter tomado o gosto pela liberdade num país onde ela nunca havia existido de fato, sobretudo porque a liberdade pressupõe independência de pensamento". Vinte anos depois ele reaparece em Londres, sob o codinome William (Will.I.Am) White, como um artista gráfico badalado de passado obscuro.

Na terceira história, seguimos para Brasília, onde o jornalista chapa-branca Sérgio Vilela é enviado para chefiar a sucursal de um grande jornal carioca no início da abertura do regime militar, nos anos 1980, e se desbunda com a cocaína boliviana e a ilusão do poder.

Terminamos o livro com a história, nos dias atuais, do jovem Marlon Müller, que "vivia num casarão cuidado por seis empregados, tinha um carro conversível na garagem, namorava uma menina amalucada muito gostosa e que, inclusive, tinha jantado com o presidente da República no mês passado".

Ele articula uma organização secreta como que é uma mescla de Anonymous e com WikiLeaks, expondo a vida privada de artistas de TV e jogadores de futebol na Cidade do México.

LUZ E GOLPE

A América Latina que se entrevê no livro é um continente que quanto mais procura se iluminar, mais encontra golpistas, exploradores, parasitas, e ameaças ao Estado de Direito, como se as condições para a democracia formuladas na tradição ocidental não existissem neste canto da Terra.

Soy Loco Por Ti, América
Javier Arancibia Contreras
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Ainda assim, é "um continente que se sobressaiu nos últimos anos refazendo um caminho próprio interrompido e restabelecendo a chama das revoluções, ainda que sem lideranças, sem pátrias, sem patriotismos".

Contreras, que nasceu no Brasil após seus pais se exilarem do Chile na década de 1970, constrói uma narrativa polifônica que dialoga com autores como Roberto Bolaño e Rubem Fonseca, numa articulação que lembra também o melhor de Alejandro Zambra.

Um livro que foge às esquematizações de uma literatura engajada antiquada, e que coloca o autor ao lado de seus melhores pares contemporâneos.

SOY LOCO POR TI, AMERICA

  • Preço R$ 59,90 (336 págs.)
  • Autor Javier Arancibia Contreras
  • Editora Companhia das Letras
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