'The Square' faz crítica ácida ao cercadinho VIP da arte contemporânea

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Claes Bang interpreta o curador Christian em 'The Square
Claes Bang interpreta o curador Christian em 'The Square'

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

O cineasta sueco Ruben Östlund diz que se cansou de encontrar em museus de arte contemporânea instalações bem parecidas: letreiros de neon, pedaços de coisas no chão "e o público, desconectado dos objetivos do artista, andando sem rumo e indo parar na lojinha de souvenires."

É nesse universo que ele ambienta "The Square", filme que estreia nesta quinta (4) no Brasil após ter levado o prêmio máximo no Festival de Cannes, em maio, e descolado uma indicação ao Globo de Ouro de filme estrangeiro (também está no páreo do Oscar).

No entanto, mais do que só sátira ácida ao mundo da arte contemporânea, o longa aprofunda as ruminações sobre moral a que Östlund se dedica desde "Força Maior" (2014).

Em suas obras, o cineasta de 43 anos destrincha a ética de um tipo de sujeito que não é muito diferente dele mesmo: homem de meia idade, habitante de metrópole europeia, frequentador das rodas da intelectualidade, mas assolado por uma ruína à espreita.

Se no longa de 2014 ela vinha sob a forma de uma avalanche (benigna) que provocava fissuras numa família, em "The Square" o diretor defende a ideia de que é bem fina a camada de gelo que separa a civilidade da barbárie.

A sua tese fica ainda mais aguda numa sociedade polida como a sueca. "Existe uma mudança na sociedade escandinava", diz Östlund à Folha. "Hoje temos comunidades muradas, que são a forma de dizer quais as bordas da nossa responsabilidade. O local não ficou mais perigoso, mas cresceu a paranoia."

HIPOCRISIA LÍQUIDA

Christian (Claes Bang) é o curador de um museu de arte contemporânea em Estocolmo. Vive às voltas com catálogos de mostras pouco compreensíveis e instalações um tanto questionáveis.

Ele orbita um mundo de conteúdo tão fluido quanto o seu caráter, como demonstrará o golpe bizarro de que o curador será vítima, e que resultará no furto de seu celular.

O personagem encapsula a hipocrisia de uma elite europeia que Östlund quer colocar na lupa: que não abre mão de se locomover com carros sustentáveis nem para fazer a vingança mais mesquinha.

Ao mesmo tempo, para atrair mais visitantes para a nova instalação do museu –o quadrado que dá nome ao filme–, Christian cede à esdrúxula proposta de chamar atenção com um vídeo violento para viralizar na rede.

"Amo a ironia de se promover um projeto humanístico com um vídeo cínico e que se torna bem-sucedido", conta.

O diretor diz ter buscado trabalhar com a ideia de como a "tensão é o que nos faz mais atraídos ao conteúdo".

"É um problema imenso se você pensar na forma como a mídia tratou uma tragédia como o terrorismo, por exemplo. Havia imagens ao vivo. E havia anúncios prévios a essas imagens no YouTube."

Em certos trechos, contudo, o filme pode passar a impressão de cometer os mesmos pecados que critica.

Östlund se esbalda em elementos sórdidos em "The Square". No mais emblemático deles, inclui uma cena em que um artista performático (Ted Notary) se comporta como gorila e ameaça os comensais de um jantar.

"Não acho que a provocação tenha virado convenção no cinema de arte", rebate o diretor. "Ela pode ser útil para causar reflexão. Mas ultimamente a provocação tem sido mais comum entre políticos do que entre artistas."

Ao conceder a Palma de Ouro em Cannes ao filme do diretor sueco, Pedro Almodóvar disse que o longa "atacava a ditadura do politicamente correto". Já Östlund afirma não ver "problemas com o politicamente correto".

"Vivo numa sociedade em que somos autorizados a testar os limites desse tema."

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