Em meio à política anti-imigratória de Trump, Pixar realça cultura mexicana

ADRIANA KÜCHLER
ENVIADA ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

Após a polêmica sobre a ausência de negros, latinos e asiáticos nos indicados do Oscar 2015 e com uma maior atividade de minorias nas redes sociais, os grandes estúdios parecem ter decidido que era hora de apostar na diversidade.

Em 2017, o suspense "Corra!" e o vencedor do Oscar de melhor filme, "Moonlight", foram exemplo disso.

A Disney embarcou na onda em filmes como "Moana" e "Rainha de Katwe". Agora, é a vez da Pixar, empresa de animação conhecida por "Toy Story" e "Os Incríveis" e comprada pela Disney em 2006.

Com seu 19º longa, "Viva - A Vida é uma Festa", que chega nesta quinta (4) aos cinemas brasileiros, a companhia corre com vontade atrás do prejuízo: a animação se passa no México e conta a história do garoto Miguel Rivera, que sonha cantar e tocar violão numa família em que a música foi banida. O drama mexicano: o tataravô do menino abandonou mulher e filha para seguir carreira artística.

Durante a tradicional festa do Dia dos Mortos, Miguel entra em conflito com os parentes e acaba, sem querer, indo parar no mundo dos finados –colorido, cheio de caveiras divertidas, antepassados e revelações.

O elenco de vozes é quase inteiramente de origem latina, com Gael García Bernal e Benjamin Bratt. Como quase todo filme da Pixar, "Viva" tem visual impressionante e culmina numa inevitável catarse emocional, mas, dessa vez, o estúdio enaltece a cultura e as tradições mexicanas.

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"Desde o começo da Pixar, nós contamos histórias que são pessoais pra gente. E acontece de nós sermos um bando de caras brancos", justifica-se, rindo, o diretor Lee Unkrich, vencedor do Oscar por "Toy Story 3" (2010).

"No caso de 'Viva', não houve um esforço coordenado para focar em diversidade. Mas eu sabia que, contando essa história, trabalharia com um elenco latino e que isso era algo importante a ser feito."

MARCA REGISTRADA

No México, onde estreou em primeira mão em outubro, a animação se tornou a maior bilheteria da história do país. Dos US$ 541 milhões (cerca de R$ 1,76 bilhão) arrecadados até agora, 66% vêm de mercados que não o americano.

Antes de sua estreia, porém, o filme enfrentou algumas controvérsias. A principal delas envolveu a tentativa de registrar a expressão "Dia dos Mortos", possível nome do filme e uma das principais datas festivas mexicanas, como marca comercial.

"Foi um erro. Nos arrependemos e nos desculpamos", diz Unkrich. "Fomos registrar o nome como fazemos com todo filme. Não queríamos registrar o feriado, mas passamos a mensagem errada."

O estúdio conseguiu reverter as acusações de apropriação cultural chamando consultores de origem latina para reforçar o trabalho de pesquisa da equipe original feito "in loco", no México.

"Viva" começou a ser produzido em 2011, muito antes de Donald Trump se tornar presidente dos EUA, tendo entre suas plataformas restringir a imigração para o país e construir um muro para separar sua nação do México.

"É uma coincidência que o filme seja lançado agora, numa época tão carregada", diz o diretor, que assim como outros membros da equipe faz referências ao governo Trump sem citar seu nome. "De repente, o filme se tornou mais relevante do que quando começamos a fazê-lo."

Enquanto a imprensa mexicana comemorava a possibilidade de o filme melhorar a relação entre os dois países, o ator Gael García Bernal (que dubla Héctor), uma das vozes principais da versão original, não parecia tão otimista.

Em entrevista à Folha, pedindo desculpas por ter esquecido o português, ele diz que não acredita que um filme vai solucionar o problema. "É uma ficção isso de colocar nos mexicanos a culpa de todos os males. Também disseram isso durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra. É uma tradição americana."

Já o desenhista Adrian Molina, americano de origem mexicana, promovido a codiretor anos após o início da produção, acredita no potencial do longa. "'Viva' retrata emoções e sentimentos com os quais qualquer um pode se identificar. Minha esperança é que, ao assistir ao filme, o público tire o mexicano do status de outro, de estrangeiro, de estranho."

A jornalista viajou a convite da Disney.

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