Ele gerava pânico entre nós, diz diretora de arquivo sobre ladrão de obras raras

Documentário sobre o mais famoso criminoso do gênero no país estreia na quinta (1º)

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São Paulo

“Você é ladrão de obra de arte? Igual àqueles de filme que passa na televisão?”

A pergunta, feita pelo guarda de um presídio, é dirigida a Laéssio Rodrigues de Oliveira, conhecido por furtar imagens, livros e revistas raras de arquivos públicos, quando ele, em um de seus períodos de liberdade, vai visitar seu companheiro recluso.

A cena está no documentário “Cartas para um Ladrão de Livros” e resume a estranheza com que as pessoas se aproximam do ladrão de obras raras mais famoso do Brasil.

Foi o caráter incomum do caso que levou os diretores Carlos Juliano Barros e Caio Cavechini a entrar em contato com Laéssio e fazer a película sobre a sua história.

A estreia acontece na quinta (1º), após passagem pelo Festival do Rio e pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2017.

“É um filme de personagem, não de denúncia. A vaidade e a vontade que que ele tem de colocar a cabeça acima da manada, ainda que por vias tortuosas, o tornam complexo”, afirmou Barros durante debate promovido pela Folha e pela Boutique Filmes nesta terça (27), após a pré-estreia do documentário, no Espaço Itaú de Cinema do shopping Frei Caneca (SP).

“Em alguns momentos damos risada dele, em outros o achamos deplorável. Fizemos o documentário para surpreender a nós mesmos”, completou Cavechini. Segundo ele, as falas “magnéticas” do criminoso registradas em vídeo e nas cartas trocadas com Barros para o filme levaram os diretores a procurar entrevistas de peso para fazer contraponto.

Um dos depoimentos que contam um outro lado da história é o de Beatriz Kushnir, diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, instituição de onde Laéssio afanou uma coleção de imagens feitas por Augusto Malta, importante fotógrafo brasileiro do século 19.

“Ele gerava pânico entre nós, que trabalhamos com arquivos e bibliotecas públicas”, afirmou Beatriz durante o debate.

“Mas devemos lembrar que o Laéssio não é importante, ele é substituível. O problema está nas pessoas que compram essas obras”, acrescentou.

O criminoso, que teria dado início aos furtos motivado por criar a maior coleção de itens relacionados a Carmen Miranda, artista da qual é fã incondicional, foi preso pela primeira vez em 2004. De lá para cá, foram quatro outras detenções. Ele está preso no Rio de Janeiro desde março de 2017.

Efeito Laéssio

Depois da atuação do criminoso, foi observado um movimento no sentido de melhorar a segurança em bibliotecas e arquivos do país.

Beatriz, no entanto, rejeita que tenha existido um efeito Laéssio.

“Não vou dar esse crédito para ele. O que aconteceu foi o surgimento de um número maior de editais voltados para a segurança que permitiu que as instituições dessem reforço para essa área”, afirmou.

Cavechini, por outro lado, lembrou que até uma delegacia voltada para esse tipo de crime foi criada após o caso. Para ele, talvez não tenha existido um efeito Laéssio, mas certamente houve um efeito escândalo, pois só depois que esses furtos vieram a público essas melhorias foram observadas.

Descaso

Em um dos depoimentos do filme, Laéssio diz que o descaso com que as instituições tratam o acervo público, com falhas de segurança e tratamento, é uma das justificativas para suas ações.

De acordo com Beatriz, essas falhas não dependem da equipe, que teria conhecimento técnico adequado para proteger esse patrimônio, mas elas surgem, principalmente, da falta de dinheiro.

“Trabalhamos com um orçamento diminuto para dar conta de acervo, prédio e equipe”, disse.

Pesa também, segundo ela, a forma como os brasileiros enxergam esses documentos: “A população não consegue identificar que nos arquivos públicos do país estão os símbolos da construção da nossa cidadania”.

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