Descrição de chapéu Artes Cênicas teatro

Francês desconstrói discursos cotidianos em peça que abre MITsp

5ª Mostra Internacional de Teatro de SP começa em 1º/3 com obras sobre discursos e identidade

MLB
São Paulo

Causava certo incômodo no francês Joris Lacoste a artificialidade do discurso teatral. "Eu reparava que as conversas que ouvia na rua tinham muitas vezes uma forma mais rica e surpreendente do que as que encontrava no teatro, onde nos acostumamos com uma linguagem majestosa e ritualística", relata o diretor à Folha, por telefone.

 

Lacoste é o artista em foco da 5ª MITsp - Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, que acontece desta quinta (1º) ao dia 11/3. É dele também "Suíte nº 2", espetáculo que abre a programação.

O trabalho integra o projeto Enciclopédia da Palavra, iniciado por Lacoste e outros artistas há pouco mais de dez anos. Começaram a recolher toda a sorte de documentos sonoros, de discursos políticos a cartas de amor, programas esportivos e até um trecho do reality show "Big Brother 8" em Los Angeles.

"Nós nos interessávamos pela forma da palavra e como essas maneiras de falar poderiam se assemelhar quando colocadas num contexto diferente", diz o francês, 44, que iniciou a carreira como poeta.

A ideia, a princípio, era fazer das gravações um banco virtual --que pode ser acessado em encyclopediedela parole.org. Mas logo ganhou forma teatral em 2009 com "Parlement" (parlamento), primeiro dos dez espetáculos já realizados a partir da enciclopédia, que hoje reúne pouco mais de mil documentos.

As suítes, que somam quatro (a última ainda em produção), buscam não somente o ritmo do que é dito, mas a sua musicalidade --auxiliada por harmonias criadas pelo compositor Pierre-Yves Macé.

"As palavras cotidianas não são produzidas com um objetivo estético, mas, se olharmos para elas de forma ligeiramente diferente, podemos vê-las como peças sonoras", afirma Lacoste.

CORO

Além de discursos distintos, as quatro peças da série se diferem em especial pela composição musical da cena. A segunda parte, que será apresentada aqui, trabalha bastante a harmonia das palavras, com os atores muitas vezes falando ao mesmo tempo, como num coro.

O elenco reproduz sotaques, ritmos e silêncios das gravações originais, que têm seus textos projetados ao fundo. Também fala em duas dezenas de línguas diferentes, criando uma espécie de torre de Babel. Segundo Lacoste, com as línguas que entendemos teríamos uma relação de compreensão do discurso; com as que não conhecemos, prestaríamos mais atenção na musicalidade.

É, por fim, um processo de escuta o que o diretor busca nos espectadores. "Os discursos não são fechados, estão abertos à interpretação de cada um. Mas, deslocando essas palavras, fazemos com que o público as escute de maneira diferente, chamamos a sua atenção para o que é dito."

Para Lacoste, é nessa falta de escuta que se pautam muitos movimentos extremistas hoje em acensão não apenas na Europa, mas em países como os Estados Unidos.

"Hoje, com o aumento da produção de vídeos e a internet, a comunicação política está ficando cada vez mais oral. Há muito menos gente lendo, e fica muito mais difícil refletir sobre o conteúdo desses discursos."

DEZ DIAS

Além de apresentar seu espetáculo, o francês fará na MITsp um ateliê, voltado a artistas, sobre sua pesquisa com discursos sonoros e participará de uma conversa com o brasileiro Nuno Ramos no dia 5/3, no Itaú Cultural.

A programação da mostra, que vem se firmando como um dos principais eventos do calendário teatral paulistano, reúne outras oito montagens de nomes de peso das artes cênicas mundiais, como o polonês Krystian Lupa e o suíço Christoph Marthaler (leia acima e ao lado). Muitas investigam questões como história, identidade, musicalidade e discurso.

Esta edição também terá a estreia, ainda em caráter experimental, da MITbr - Plataforma Brasil, que pretende auxiliar na exportação de espetáculos brasileiros. São 12 produções nacionais, legendadas em inglês, para serem assistidas por programadores de festivais estrangeiros --as sessões serão abertas ao público.

Há ainda debates, oficinas e projetos como o Audioreflex, um audiotour sobre imigração e identidade que poderá ser feito no Museu da Imigração.


Programação da MITsp

'Árvores Abatidas', de Krystian Lupa (Polônia); 2, 3 e 4/3, no Sesc Pinheiros

'Campo Minado', de Lola Arias (Argentina); 1, 2 e 3/3, no Teatro Sesi

'A Gente se Vê por Aqui - 24hs Globo', de Nuno Ramos (Brasil); 11/3, no Galpão do Folias

'Hamlet', de Boris Nikitin, com performance de Julian Meding (Suíça); 6, 7 e 8/3, na Faap

'King Size', de Christoph Marthaler, com a companhia Théâtre Vidy-Lausanne (Suíça); 3, 4 e 6/3, no Sesc Vila Mariana

'País Clandestino', de Maëlle Poesy (França), Jorge Eiro (Argentina), Lucía Miranda (Espanha), Pedro Granato (Brasil) e Florencia Lindner (Uruguai); 9, 10 e 11/3, no Cacilda Becker

'Palmira', de Nasi Voutsas (Grécia) e Bertrand Lesca (França); 5, 6 e 7/11, no Sérgio Cardoso

'sal.', de Selina Thompson e direção de Dawn Walton (Reino Unido); 7, 8 e 9/3, no Itaú Cultural

'Suite n°2', de Joris Lacoste (França); 1, 2 e 3/3, no Auditório Ibirapuera

MITbr; 6 a 10/3, em vários locais

AudioReflex; de 2 a 11/3, no Museu da Imigração

Ingr.: grátis a R$ 30 (nas bilheterias e no site mitsp.org)

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.