Nem só do humor novidadeiro vive a moda. Parte importante das grifes que se propõe a desfilar resiste à pressão de, a cada temporada, se descolar dos seus códigos mais importantes para despertar o interesse da audiência.
Lacoste e Rochas, dois extremos da moda francesa, a primeira com viés esportivo e a outra com estilo de diva cinematográfica, fazem parte dessa ala pé no chão.
O estilista português Felipe Oliveira Batista fechou o Lycée Carnot, escola secundária da elite antiga de Paris, para apresentar o que sabe fazer de melhor na marca fundada pelo tenista René Lacoste (1904-1996): roupa utilitária com acabamento de luxo.
As capas de chuva com bolsos e silhueta masculina, os conjuntos de tricô estampados e as peças de veludo são detalhes dentro do universo de casacos acolchoados, jeans amplos e camisetas polo propostos pela marca há várias temporadas.
Prática, a coleção de outono-inverno 2018-2019 reforça a aura de moda para o dia a dia, que Batista enxerga como a missão da etiqueta em um calendário de desfiles movido a ideias transgressoras, por vezes mirabolantes, dos estilistas das casas tradicionais.
O uniforme de golfistas, um hobby do fundador da marca, sempre permeou as ideias do designer e foi explorada nesta quarta-feira (28). O desfile recuperou uma história pouco conhecida da trajetória de Lacoste.
Durante a Segunda Guerra, ele e sua mulher, Simone Thion de la Chaume, empregaram diversos franceses para a construção de uma imensa reserva de árvores no campo de golfe da família. O objetivo era livrá-los do alistamento obrigatório para trabalho na Alemanha do Terceiro Reich.
O conto foi traduzido em peças de "proteção", por isso há várias camadas de roupas, e apelo sustentável. É que no aniversário de 85 anos da marca, Batista implementa uma parceria com a União Internacional para Conservação da Natureza com a venda de dez modelos de polos nas quais há imagens de animais ameaçados de extinção bordadas no lugar do crocodilo.
"É a nossa forma de plantar árvores em 2018", diz o estilista, que ainda colocou uma árvore gigante no meio da instituição de ensino.
Quem também reviu clássicos de sua história foi a Rochas, por meio do estilista Alessandr Dell'Acqua.
Reconhecido pelos vestidos de festa com inspiração romântica, ele adicionou ao portfólio da grife centenária vários conjuntos de alfaiataria e peças estampadas com o xadrez Príncipe de Gales --padrão recorrente nos desfiles dessa temporada.
Ele ainda concentra a tesoura na imagem de roupa para noite, mas reedita os laços e a queda pelos bordados de Marcel Rochas (1902-1955).
Um escritório glamoroso, diga-se, com garotas misturando blusas de couro com calças de veludo e casacos de abotoamento duplo com golas rulê. Nos pés, botas com estampa de cobra traduzem a veia selvagem que Dell'Acqua tenta incluir na etiqueta.
Na fábrica de novidades em série que a indústria da moda se tornou, algumas grifes sabem que feijão com arroz bem preparado pode agradar bem mais do que o rebuscado "prato de chef".
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