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'O Livro das Mesas' transcreve sessões espíritas conduzidas por Victor Hugo

Figuras como Jesus, Shakespeare e a Morte surgem com mensagens

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O escritor francês Victor Hugo (1802-1885) - Divulgação

Ficou famosa a resposta do escritor André Gide (1869-1951) numa enquete sobre quem seria o maior poeta da língua francesa: "Victor Hugo, infelizmente" ("Victor Hugo, hélas!"). A frase sintetiza o que, com razão, constitui a fama do autor de "Os Miseráveis".

Gênio de potência sem paralelo na literatura romântica universal, Victor Hugo (1802-85) era capaz de criar metáforas originalíssimas em meio a torrentes de trivialidade.

O triunfo da "Ideia", a Luz que chega com o Livro, a Ciência, o Mundo, o Universo, a Infância, a Mãe: ninguém, como ele, pensava tanto com letras maiúsculas, e tinha tão pouco medo do ridículo.

Bem, um pouco tinha. Não quis que contemporâneos ficassem a par de suas experiências com o espiritismo, a que se dedicou quando se exilou na ilha britânica de Jersey.

Depois de uma juventude conservadora e monarquista, Hugo se deixaria entusiasmar pelas ideias democráticas e revolucionárias que, em 1848, incendiaram a Europa.

A reação autoritária chegou à França poucos anos depois, com o golpe de Estado que faria de Luís Napoleão, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, uma espécie de ditador burguês intitulado Napoleão 3º.

Hugo reagiu com fúria. Primeiro, no panfleto "Napoleão, o Pequeno"; depois, no volume de versos "Les Châtiments", em que conclama cataclismas e punições meio patetas para seu adversário.

Napoleão 3º escolheu a abelha para simbolizar seu reinado. O escritor convoca o nobre inseto --"generoso obreiro, que sorve o orvalho casto" a "turbilhonar, num enxame", contra aquele "enganador imundo, aquele infame".

O autor temia desmoralizar-se junto ao mundo liberal e esclarecido, se publicasse o conteúdo das sessões espíritas. A edição completa, com inéditos, só surgiu na França em 2014, e é este o volume que chega ao Brasil, em cuidadosa tradução de André Telles, pela Três Estrelas, selo editorial do grupo Folha.

A voga das "mesas falantes", iniciada nos Estados Unidos, começou a ganhar a Europa em meados do século 19. Hugo tinha perdido uma filha de 19 anos, grávida, em 1843.

É o primeiro espírito que se comunica em Jersey, dez anos depois, por meio das batidas dos pés de uma mesinha (comprada em loja de brinquedos, e convenientemente leve, já que os espíritos carecem de maior força física).

Seguia código simples, pelo qual uma batida corresponde à letra A, duas, à letra B etc. Se a filha foi lacônica, o mesmo não se pode dizer de Shakespeare, Maquiavel, Rousseau e de outras personalidades, humanas ou não, que compõem a lista de mais de cem espíritos a ditar mensagens.

E não apenas os espíritos dos mortos. O do próprio Napoleão 3º, transmigrado durante o sono, vem prestar homenagens ao poeta exilado, e prevê —como outros— o fim do próprio império para dali a dois anos. Na verdade, ficou no trono por quase 20.

Um pesquisador calculou quanto tempo seria necessário para a mesa telegrafar, letra a letra, os recados do além, chegando a cifras impossíveis.

Felizmente, o próprio Victor Hugo anotava grande parte do que lhe chegava em Jersey. Assim, Shakespeare dita poemas em francês, no mais perfeito estilo de autor de "O Corcunda de Notre Dame".

É também a genialidade de Hugo que transparece nas frases e metáforas que a todo momento pipocam neste livro.

"O túmulo é a arca de Noé das almas", diz "Moisés". "Toda alma é a flor do seu túmulo; o céu é um buquê", ecoa "André Chénier", poeta guilhotinado que, na sessão, se reconcilia com a Revolução Francesa.

Como tudo que Hugo escreveu, é grandioso, originalíssimo, hiperbólico. Para que mesas falantes, poderíamos dizer imitando o poeta, quando o Espírito canta em cada linha do seu livro?

O Livro das Mesas

  • Preço R$ 99,90 (632 págs.)
  • Autoria Victor Hugo
  • Editora Três Estrelas
  • Tradução André Telles

 

Lista de escritores que se aproximaram do sobrenatural é extensa

Victor Hugo não foi o único autor a ter com almas do além. Diversos nomes célebres buscaram ou dizem ter tido experiências com o sobrenatural, como Fernando Pessoa, Thomas Mann e Murilo Mendes.

Vinicius de Moraes relatou experiências sensitivas, como sonhos premonitórios. Com Drummond, tentou entrar em contato com outros planos. Hilda Hilst andava pela casa com um gravador em busca de vozes. Há diversas obras acerca do tema.

O bibliófilo e historiador do livro Ubiratan Machado escreveu "Diálogos com o Invisível" (Lachâtre), apenas sobre contatos de autores com o além.

A exemplo de Arthur Conan Doyle, criador do Sherlock Holmes. "A Terra da Bruma" é inspirado nessas crenças.

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