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Roman Polanski volta a reverenciar clássicos no filme 'Baseado em Fatos Reais'

Em novo longa do diretor, espectador vê passar referências a várias obras

Emmanuelle Seigner (Delphine) e Eva Green (Elle) em "Baseado em Fatos Reais", do diretor Roman Polanski
Emmanuelle Seigner (Delphine) e Eva Green (Elle) em "Baseado em Fatos Reais", de diretor Roman Polanski - Carole Bethuel/Divulgação
Inácio Araujo
São Paulo

Baseado em Fatos Reais (D'Après Une Histoire Vraie)

  • Classificação 12 anos
  • Elenco Emmanuelle Seigner, Eva Green e Vincent Perez
  • Produção França/Polônia/Bélgica, 2017. 110 min
  • Direção Roman Polanski.

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O suspense é um território que agrada a Roman Polanski. E aqui parece que temos vários filmes dentro de "Baseado em Fatos Reais".

O primeiro contém uma ironia: "fatos reais" tornaram-se uma divisa comercial, uma asserção de veracidade em busca de vendagem. E com isso o filme brincará: o que contém o imaginário de real e vice-versa?

No início da história temos Delphine (Emmanuelle Seigner), escritora de sucesso que parece viver o auge de seu prestígio e popularidade. Numa noite de autógrafos é abordada por Elle (Eva Green), sua grande fã.

Elle se apresenta como "ghost writer", isto é, aquela que escreve para que outros assinem e se insinua como amiga inestimável da escritora. Aquela em quem pode confiar inteiramente, que opina sobre seu trabalho etc.

Ela, como costuma acontecer com escritores após publicação, enfrenta uma crise de criatividade. Elle está lá com opiniões duras, porém úteis ao seu trabalho.

Para resumir, a moça ganha a confiança irrestrita da escritora. E isso, sabemos, é sempre um perigo.

Entramos nessa região nebulosa (como no Fritz Lang de "O Segredo da Porta Fechada", entre outros) da mulher que, atraída irresistivelmente, casa com um desconhecido. E esse desconhecido é muito mais desconhecido do que se poderia imaginar.

Num segundo momento Delphine sofre um acidente, o que a coloca nas mãos de Elle. Temos então uma mulher que mal consegue se locomover, nas mãos de outra que, cada vez mais, suspeitamos ser uma psicopata.

Entramos então no território de "O que Teria Acontecido a Baby Jane", o terror de Robert Aldrich? Em parte, sim. Mas não é tudo, pois não é tão simples aqui saber quem caça quem: Delphine acredita que a amizade pode fazer com que Elle se abra e se torne, assim, o assunto de seu próximo livro.

No jogo que se segue a perversidade dá o tom: de tentativas de envenenamento (como o Hitchcock de "Suspeita"?) ou atropelamento a fugas inverossímeis, Polanski vasculha o repertório clássico, mas algo ali sai desse trilhos: a escrita. Eis algo que o fascina e a que volta de tempos em tempos. No caso, é a um confronto entre duas mentes que assistimos --mentes de escritoras.

Que importa uma ser famosa e a outra anônima? Talvez tudo. Se Elle consegue invadir tão bem a vida (e a mente) de Delphine é por saber que todo escritor (todo artista, a rigor) teme ser uma fraude. Elle, não: ela é aquela que serve aos seus biografados; eles é que assinam a farsa.

Já Delphine imagina que seu grande feito será escrever a história de Elle, quando na verdade a única história real que pode escrever é a sua. As duas são a um tempo reais e irreais. Ficcionais e verdadeiras. Trançam autor e personagem, como no mais recente Polanski ("A Pele de Vênus"), sem que nunca se saiba quem é um e quem é outro.

Com o que Polanski dá sequência ao seu projeto de cortejar o cinema clássico sem deixar de ser moderno. Uma diferença importante: se "A Pele de Vênus" foi o filme de Emmanuelle Seigner, desta vez quem mais se destaca é Eva Green, por uma vez assustadora.

 

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