'The Handmaid's Tale' arrisca segunda temporada mais pesada que a primeira

Em futuro distópico, série retrata opressão sobre mulheres que não se tornaram inférteis

Cena de "The Handmaid's Tale"
Cena de "The Handmaid's Tale", que estreia nos EUA - Divulgação
James Poniewozik
Nova York

No final da primeira temporada de “The Handmaid’s Tale”, June (Elisabeth Moss) entra na parte de trás de uma van. Após rebelar-se discretamente contra Gilead, a América do futuro onde é mantida como reprodutora, ela está sendo levada embora, ou para ser punida pelo Estado ou para ser carregada para a liberdade pela resistência.

A cena é a última de June no romance original de Margaret Atwood, que Bruce Miller adaptou na primeira temporada com algumas ampliações e variações. A partir de agora, não sabemos para onde vão nem a van, nem “The Handmaid’s Tale”.

A resposta aparece muito rapidamente na temporada dois: para um lugar significativo, mas nada feliz. June é amordaçada e, com uma multidão de outras aias, ejetada grosseiramente no estádio de Fenway Park, iluminado por holofotes, e conduzida às pressas por guardas e cães de ataque para uma forca coletiva num campo coberto de mato.

Essa cena monumental é vista ao som de “This Woman’s Work”, de Kate Bush. É impressionante, assustador e lúgubre. Apropriadamente para uma cena de quase morte, parece o fim do mundo.

Mas é apenas a continuação deste mundo. “The Handmaid’s Tale”, de volta ao Hulu com dois episódios novos nesta quarta-feira (25), deixa claro ao que veio desde o início. Após uma primeira temporada que começou forte, depois cambaleou quando encontrou seu material próprio, “The Handmaid’s Tale” se tornou uma série confiante, emocionalmente fértil –mas que, por sua natureza e obrigatoriamente, é angustiante e dolorosa de se assistir.

Vou determinar que não é spoiler revelar que June não morre nos primeiros minutos da nova temporada. Pelo fato de “The Handmaid’s Tale” ser uma série, ela testa as duas possibilidades abertas no final do romance –destruição ou salvação— e adia uma possível resolução.

Em vez disso, boa parte da nova temporada mostra como Gilead, tirania fundamentalista cristã que surgiu após uma crise mundial de fertilidade, mantém o controle sobre as pessoas de maneiras grandes e pequenas.

June, que carrega no ventre um filho para o comandante Fred Waterford (Joseph Fiennes) e sua esposa Serena (Yvonne Strahovski), é chamada de “Offred”, derivando seu nome daquele do patriarca da família.

Sua própria filha –de quem está separada, mas que está viva em algum lugar— é chamada apenas de “sua primeira gravidez”. O passado e o presente de June lhe são negados, e ela tem importância para o futuro unicamente como veículo que o possibilitará.

Estar grávida lhe confere influência temporária, que ela exerce de maneiras pequenas com Serena, ela própria restrita pelo paternalismo discreto de Fred e obrigada a obedecer aos ditames dos mesmos guardiões religiosos, como Tia Lídia (Ann Dowd, imperiosa), que disciplinam as aias.

Inevitavelmente, em vista dos protestos feministas anti-Trump e do movimento #MeToo, “The Handmaid’s Tale” vai continuar a ser visto como uma alegoria da política de hoje. Mas também é possível interpretá-la não tanto como previsão específica quanto como um diagrama do funcionamento de sistemas de opressão.

Nascida do medo, Gilead exerce controle rígido sobre as aias, mas também sobre as esposas, os intelectuais e os homens menos poderosos, e se fortalece por incentivar as diferenças entre eles.

Tendo conquistado mais espaço (a nova temporada tem 13 episódios), a série mergulha mais fundo na descrição desse sistema. A amiga dissidente de June, Emily (Alexis Bledel) é exilada, enviada para as Colônias, uma zona radiativa onde “não mulheres” (entre elas uma personagem nova representada por Marisa Tomei) fazem trabalhos forçados até morrer.

As Colônias poderiam ser outro planeta, nebuloso e detonado, onde as não mulheres são vigiadas por guardas usando máscaras e chapéus de aba que lhes dão um ar de robôs inquisidores.

Embora a história passada de Gilead continue incompleta, a direção de arte e os figurinos fazem o mundo de Gilead parecer imediatamente concreto. (A diretora original, Reed Moreno, deixou “The Handmaid’s Tale”, mas seus sucessores mantiveram suas tomadas com a perspectiva do céu e a intimidade própria de retratos.) 

A primeira metade da nova temporada mostra no segundo plano o exílio canadense do marido de June, Luke (O.T. Fagbenle), ainda uma das partes mais fracas da série. Percebe-se um domínio melhor do tom da série agora; as escolhas ironicamente alegres da trilha sonora, como “American Girl”, de Tom Petty, sumiram.

Em muitos momentos, porém, “The Handmaid’s Tale” passa a impressão de estar tão determinada a não ser mal interpretada, tão decidida a tratar seu tema com gravidade, que a narrativa fica pesada, e os personagens periféricos, rígidos.

Por sorte, a atuação central é tudo menos isso. A imagem essencial de “The Handmaid’s Tale” é o vestido vermelho –o vermelho da menstruação e do parto--, mas seu visual favorito é o do rosto de Elisabeth Moss visto em close. É uma máscara, um escudo e um portal vulnerável, ao mesmo tempo revelando e ocultando o desafio de June. Ela é cautelosa, está cansada e furiosa –ou seja, é heroica em uma escala muito humana.

Sem uma atriz tão expressiva quanto Moss, “The Handmaid’s Tale” talvez não conseguisse encontrar o equilíbrio que mostra, sendo moralmente urgente mas sem tom didático; angustiante, mas ainda contendo vislumbres de esperança e graça. Mas tudo isso pode se tornar mais difícil quando a série esticar, possivelmente por anos, a história de uma protagonista sentenciada ao estupro sistemático.

No livro, a entrada de June na van não foi o fim absoluto. Em um epílogo, ficamos sabendo que sua autobiografia foi recuperada por acadêmicos especialistas em “Estudos Gileadeanos” em um futuro distante. Isso sugere que o tempo passado entre o momento em que as portas da van se fecham e que a tirania desaba pode ter sido muito longo.

Para a finalidade da televisão, talvez não devesse ser. “The Handmaid’s Tale” é ficção cíentífica distópica, mas, com o clima constante de ameaça e a trilha sonora agourenta, é sentido como horror.

O horror é um gênero difícil de se sustentar em séries de TV. Quando é esticado por tempo demais, como acontece na série muito diferente “The Walking Dead”, cria-se um circuito interminável de cenários sinistros e outros ainda piores que acaba por dessensibilizar o espectador ou tornar-se insuportável.

Sem saber qual é o plano dos produtores, não tenho como dizer se o comprimento melhor para “The Handmaid’s Tale” seria duas temporadas ou cinco, ou até mais. Mas às vezes a melhor prova da eficácia de uma história é o fato de fazer você desejar que ela acabe.

Tradução de Clara Allain

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