Descrição de chapéu festival de cannes Cinema

Em Cannes, Wenders mostra documentário chapa-branca sobre papa Francisco

Japonês Kore-eda se credencia à Palma de Ouro com "Shoplifters"

O diretor alemão Wim Wenders no Festival de Cannes
O diretor alemão Wim Wenders no Festival de Cannes - Alberto Pizzoli/AFP
Guilherme Genestreti
Cannes (França)

“Pope Francis”, um dos títulos mais antecipados desta edição do Festival de Cannes, começa com imagens de névoas místicas encobrindo a cidade italiana de Assis, onde são Francisco está sepultado. 

Fica evidente desde logo o paralelo que conduzirá todo o documentário do alemão Wim Wenders: entre o santo que renunciou à riqueza para abraçar os pobres e o pontífice progressista, vindo da periferia do mundo.

Em imagens de arquivo de 1999, o então arcebispo Jorge Mario Bergoglio está na Plaza de Mayo, em Buenos Aires, pedindo a todos que se abracem. Sobrevoando o Rio de helicóptero, já como papa Francisco, ele não deixa de notar a linha que separa as favelas dos prédios caros da zona sul carioca.

Cena do filme 'Pope Francis', de Wim Wenders, em exibição no Festival de Cannes 2018
Cena do filme 'Pope Francis', de Wim Wenders, em exibição no Festival de Cannes 2018 - Divulgação

Nas duas horas seguintes, seja falando direto à câmera ou em pregações mundo afora (de hospitais depauperados na África ao Congresso americano), Francisco tem como alvos constantes a acumulação da riqueza e a dilapidação dos recursos do planeta. Nada parece movê-lo mais do que esses assuntos. Numa das cenas, a repórter brasileira Ilze Scamparini, da Rede Globo, pergunta ao papa sobre o “lobby gay”. Ele responde que se gays amam a Deus, então ele, papa, não tem nada a ver com isso.

Ao optar por um enfoque “secular”, Wenders retrata Francisco mais como um porta-voz dos oprimidos, um entoador de frases feitas que seria ovacionado em fórum social, do que como o líder religioso que ele é e que precisa segurar o seu rebanho em tempos de ceticismo.

Decorrem daí os dois principais problemas do filme. Em primeiro lugar, o diretor não se preocupa em explicar as raízes do progressismo do papa. Vai à Argentina falar com uma freira que o conheceu na juventude e se dá por satisfeito, sem despender tempo no celeiro que o formou. Não faz, por exemplo, o que fez com o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado em “O Sal da Terra”.

Ele também não se detém nos prováveis embates de Francisco com a cúpula católica. O diretor ronda os corredores cheios de afrescos do Vaticano, mas não se questiona como é para uma instituição arraigadamente conservadora ter como líder alguém com causas tão liberais. E quais seriam as contradições de Francisco, esse poço de bondade? 

“Pope Francis” foi uma encomenda da própria Igreja Católica, mais precisamente do responsável pela comunicação papal, o monsenhor Dario Edoardo Viganò, um fã confesso dos filmes do cineasta.

Wenders, um luterano praticante, é nome central da geração alemã que também revelou Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder. Ele já povoou sua filmografia com anjos (“Asas do Desejo”, “Tão Longe, Tão Perto”) e com vagabundos no sentido literal (“Paris, Texas”, “No Decurso do Tempo”...). Com “Pope Francis”, parece querer incluir também os santos.

Na competição

Wenders não compete à Palma de Ouro, disputa que foi engrossada nesta segunda (14), com a exibição de “Lazzaro Felice”, da italiana Alice Rohrwacher, e “Shoplifers”, do japonês Hirokazu Kore-eda.

Rohrwacher, que venceu o Grande Prêmio do Júri em Cannes por “As Maravilhas”, retorna ao festival francês com uma história de tintas surreais ambientada numa Itália rural.

Lazzaro é um jovem meio “pazzo”, é o ingênuo faz-tudo numa comunidade de agricultores de tabaco. Ali, quem dá as cartas é uma marquesa que mantém os trabalhadores em regime de semiescravidão. Quando Lazzaro aceita participar do plano mirabolante bolado pelo filho de sua suserana, dá início a uma sucessão de eventos insólitos, embebidos em simbolismo cristão.

Já o japonês Kore-Eda, de “Ninguém Pode Saber” e “Pais e Filhos”, questiona o que forma os laços de família com o drama humanista “Shoplifters”.  

A história acompanha o patriarca Osamu, que vive com os parentes num apartamento modesto e ganha a vida revendendo produtos furtados. Ele topa com uma menina perdida e opta por adotá-la e incluí-la no seu esquema criminoso. 

Cheio de alegorias, “Lazzaro” é pouquíssimo convencional e pode não ir longe nas premiações em Cannes. Mas “Shoplifters” e seu grito dos excluídos contra o sistema contém os mesmos ingredientes que fizeram de “Eu, Daniel Blake” (2016) um vencedor neste mesmo festival. 

O jornalista se hospeda a convite do Festival de Cannes

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