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Artes Cênicas teatro

Peça 'As 3 Uiaras de SP City' atesta voz autoral da dramaturgia transgênero

Com fontes documentais, espetáculo se apresenta como denúncia e conclamação à luta

"As 3 Uiaras de SP City", peça em cartaz no CCSP
Danna Lisboa, Sophia Castellano e Verónica Valenttino em ‘As 3 Uiaras’ - Renato Mangolin/Divulgação
Amilton de Azevedo
São Paulo

As 3 Uiaras de SP City

  • Quando Sex. e sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 10/6
  • Onde Centro Cultural São Paulo - espaço cênico Ademar Guerra, r. Vergueiro, 1.000.
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos

Na contemporaneidade, é cada vez mais difícil ver uma obra sem considerar seu contexto. Assim, cabe ressaltar a dimensão política de "As 3 Uiaras de SP City".

A dramaturgia de Ave Terrena Alves, que se identifica como transvestigênera, está em consonância com as pesquisas do Laboratório de Técnica Dramática —do qual faz parte, junto ao diretor Diego Mosckhovich, e aos atores Diego Chilio e Sophia Castellano.

O grupo parte de relatórios da Comissão Nacional da Verdade para levar, em diferentes peças, distintas violações de direitos humanos do período da ditadura. Inspirados pelo muralismo mexicano, trazem a ideia da sobreposição de tempos distintos para formar um todo.

Nesta obra, Alves parte da perseguição do Estado a travestis, prostitutas e homossexuais durante as décadas de 1970 e 80. Operações policiais servem de base para a narrativa, que acompanha Miella (Danna Lisboa) e Cínthia Carolaine (Verónica Valenttino), duas travestis, em suas vivências na rua e seus anseios de sucesso como cantoras.

Sobrepondo aquela época aos dias atuais, elas encontram na ativista feminista Valéria (Castellano) uma aliada. Ao mesmo tempo que convoca manifestações, ela se depara com a problemática de não estar inserida na realidade marginalizada das travestis.

O público é inserido nessa questão pelas escolhas da encenação. Se no início ele é encarado como opressor, recheado de expectativas quanto à presença do corpo trans em cena, ao longo do espetáculo transformam sua participação positivamente. De deputados à manifestantes, o elenco joga com a representação teatral e a interação do espectador de forma inteligente.

O espetáculo bebe em fontes documentais para se apresentar como denúncia e conclamação à luta e não nega a potência em ser teatro. A partir disso, edita vídeos e cenas de acordo com o que escolhe ou não mostrar.

Na impactante cena na qual Cínthia encara a câmera de forma emotiva durante o interrogatório de Miella, por exemplo, talvez a maior violência apresentada seja o uso do nome de registro em vez do nome social dela. No momento em que a fisicalidade realista da relação passaria a retratar explicitamente uma tortura, os próprios atores interrompem a ação.

É na epicidade e na relação com o público que "As 3 Uiaras" se efetiva enquanto acontecimento —como na potente ressignificação coreográfica durante a "Canção da Dor Nº1". Ainda que necessárias para a construção da narrativa, as cenas dramáticas de caráter intimista trazem certa fragilidade na relação das atrizes.

A dramaturgia de Alves, em sintonia com a encenação de Mosckhovich, alinha sua importância histórica a um interessante potencial estético. Nesse sentido, as demandas por representatividade parecem reverberar em promissoras construções autorais de narrativas e subsequentes pesquisas de linguagem.

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