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Cinema

'Réquiem para Sra. J' não conduz à esperança, mas ri do destino

Humor negro reveste longa que descreve transição da Sérvia da perspectiva de viúva desempregada

CENA DO FILME  Réquiem para Sra. J
Mirjana Karanovic em 'Réquiem para Sra. J' - Divulgação
Lúcia Monteiro

Réquiem para Sra. J

  • Quando Estreia na quinta (24)
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Mirjana Karanović, Jovana Gavrilović, Danica Nedeljkovic
  • Produção Sérvia, Bulgária, Macedônia, Rússia, França, 2017
  • Direção Bojan Vuletić

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Jelena (Mirjana Karanović), mulher de meia-idade deprimida após a perda do marido e do emprego, passa os dias entre o sofá, a mesa e a cama, com pequenas saídas pelo bairro de periferia onde mora.

No apartamento que divide com a sogra (Mira Banjac) e as duas filhas, a pré-adolescente Koviljka  (Danica Nedeljkovic) e Ana (Jovana Gavrilović), de 18 anos, o clima é de declarada hostilidade, apaziguada apenas em parte pela presença de Milance (Vučić Perović), namorado da mais velha.

Somem-se o ritmo predominantemente lento, com planos estáticos, e a paleta de cores, entre o cinza, o preto e o marrom. Sim, "Réquiem para Sra. J", que estreou na última edição do Festival de Berlim, é um filme triste.

Mas este segundo longa-metragem do sérvio Bojan Vuletic (festejado no circuito dos festivais por "Practical Guide to Belgrade with Singing and Crying", de 2011) não se dobra inteiramente à etiqueta "dramalhão".

Decidida a cometer suicídio no aniversário de um ano da morte do marido, Jelena enfrenta situações kafkianas que a afastam de seu objetivo. Na tentativa de obter uma receita médica para comprar soníferos, descobre que sua seguridade social não está em dia e que não conseguirá uma consulta. Sequer a compra de uma bala para o revólver será tarefa fácil. Cada iniciativa da personagem-título conduz a encontros absurdos, narrados com tintas de um bem armado humor negro.

A visualidade está entre os grandes trunfos do filme. Com planos abertos e enquadramentos precisos, acentua-se a tensão entre os elementos do quadro. A decoração do apartamento, abarrotado de objetos inúteis, intensifica a sensação de confusão e desespero naquela que seria a última semana de vida da protagonista.

Numa rara saída de Jelena, ela visita, na companhia da filha caçula, a fábrica onde trabalhava, agora vazia. A monumentalidade da arquitetura industrial em repouso lembra a greve de "O deserto vermelho" (1964), de Antonioni, e as usinas chinesas desativadas do cinema de Jia Zhang-ke (em "Still Life", de 2006, e "24 City", de 2008).

A sequência esclarece que o desespero da personagem não é individual. Não se trata apenas da história de uma mulher, mas de um país em transição para o liberalismo, em que a pior herança dos anos socialistas se combina ao que há de mais desumano do capitalismo.

"Réquiem para Sra. J" pode ser encarado como uma trágica narrativa nacional, que não conduz à esperança de futuros prósperos, simbolizados em casamentos, nascimentos ou novas promessas. Ainda assim, é possível rir do destino coletivo, e rir em comunhão.

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