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Cinema

Roteiro prejudica 'Olhos do Deserto', sobre amor mediado por tecnologia

Drama trata da paixão platônica de Gordon, um operador de drone, por jovem do norte da África

CENA DO FILME ‘OLHOS NO DESERTO’
Ayusha (Lina El Arabi), a mocinha de 'Olhos do Deserto', alvo do afeto de um operador de drone radicado em Detroit - SeŽbastien Raymond/Divulgação
Alexandre Agabiti Fernandez

OLHOS DO DESERTO (EYE ON JULIET)

  • Quando Estreia na quinta (24)
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Joe Cole, Lina El Arabi, Faycal Zeglat, Amal Ayouch
  • Produção Canadá, França, Marrocos, 2017
  • Direção Kim Nguyen

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O sexto longa-metragem do canadense Kim Nguyen —diretor e roteirista ainda pouco conhecido no Brasil, cujos filmes abordam as relações humanas— fala de uma questão contemporânea por excelência: a ubiquidade da tecnologia da informação na vida das pessoas, que produz solidão e angústia.

Gordon (Joe Cole) trabalha em uma empresa de vigilância que monitora tudo o que acontece ao redor de um oleoduto próximo de uma aldeia no norte da África. Sua tarefa é realizada muito longe dali, em Detroit, de onde comanda um exército de robôs hexápodes, engenhoca de seis pernas equipada com câmera, microfone, alto-falante e programa de tradução, capaz de disparar tiros em eventuais ladrões.

Uma noite, Gordon repara em Ayusha (Lina El Arabi), uma jovem que se encontra com o namorado (Faycal Zeglat) em uma colina do deserto. Curioso, e talvez desconfiado, Gordon passa a segui-la. Descobre que ela está condenada a um casamento arranjado com um homem bem mais velho e que por isso quer fugir do país com o namorado.

Abatido por uma desilusão amorosa, Gordon se apaixona platonicamente por Ayusha e decide ajudá-la na fuga. Um improvável melodrama se instala —baseado no voyeurismo e na mediação de uma máquina—, em meio a outras questões contemporâneas como a imigração ilegal, a obsessão global pela segurança, a exploração predatória das riquezas naturais pelos países ricos.

Essa história de amor ingênua e assimétrica que evolui em um contexto complexo, mas pouco desenvolvido pelo roteiro, no qual a tragédia espreita, nunca convence. Há diálogos em demasia, uma tentativa de esclarecer o que a história e as imagens são incapazes de criar.

O insistente apelo à —ótima— trilha sonora do grupo canadense Timber Timbre obedece ao mesmo tipo de limitação: é uma facilidade para tentar estabelecer um clima que a narrativa não consegue impor.

As relações da Ayusha com os pais também são pouco trabalhadas. A caracterização família não vai além dos sempiternos clichês em torno do tradicionalismo e do autoritarismo. A jovem fala inglês —algo no mínimo surpreendente em uma aldeia perdida—, trabalha em um cybercafé, ganha um salário que lhe poderia garantir alguma autonomia, o que permite supor que seus pais não sejam tão obtusos.

Os melhores momentos são os em que brilha a ironia, sobretudo na cena em que o robô ajuda um homem cego perdido nos arredores da aldeia —quando conversam sobre mulheres e este pensa que a máquina é uma pessoa— e quando o chefe de Gordon o adverte para que relate mais ameaças perto do oleoduto com uma justificativa lapidar: “Ameaças são a alma do nosso negócio”, “sem inimigos não há emprego neste país”.

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