Karen Shakhnazarov titubeou antes de aceitar o pedido do canal estatal de TV Rússia-1 para fazer mais uma adaptação de “Anna Karenina”, de Leon Tolstói. Já foram cerca de 30 versões do livro transformadas em filme. E a proposta ainda era dupla: fazer não só um longa, mas também um seriado para a TV.
Aceitou, mas mudou a perspectiva: o amante protagonizaria. “Anna Karenina: A História de Vronsky”, que estreia nesta quinta (7) no cinema, foca o triângulo amoroso de Anna, marido e amante, mesclando a obra de Tolstói com relatos de Vikenty Veresaev em “Notas de um Médico sobre a Guerra Russo-Japonesa”.
“Tolstói também escreveu do ponto de vista do homem. Se o livro tivesse sido escrito por uma mulher, seria mais dramático, porém essa representação seria suave. As mulheres têm essa qualidade de serem mais dramáticas”, diz Shakhnazarov, que também assina roteiro e produção.
O ponto de partida é a batalha entre Rússia e Japão por territórios da China e da Manchúria (1904-05). Nela, o oficial Serguei Karenin, filho de Anna, encontra o colega Alexei Vronsky. Encolerado com a presença do homem que vê como o algoz de sua vida, Serguei pede que Vronsky lhe conte a história de sua mãe.
“Tolstói não fez de Anna um mártir da mulher. Ele mostra sua complexidade. Não se comporta bem sob o ponto de vista daquela época, faz coisas que não deveria fazer: deixa marido, filho. Mas, provavelmente, a paixão que sente desculpa tudo.”
Shaknazarov é também diretor geral da Mosfilm, desde 1998. Naquele ano, o histórico estúdio, que lançou obras de Eisenstein, Tarkovski e Dovzhenko, agonizava, e o cineasta precisou “arrumar a casa” sem ajuda do governo.
“Como diretor, sempre trabalhei com a Mosfilm e sabia todos os problemas de dentro. Via do ponto de vista técnico a saída: ‘o que o diretor precisa para poder filmar?’. E tinha uma fórmula que herdei da minha mãe: pra funcionar alguma coisa, você tinha que trabalhar e receber do trabalho para poder investir na casa”.
Apesar de ter modernizado o estúdio pelo menos três vezes nesses 20 anos, Shakhnazarov é cético quando se fala em digitalização da arte.
“Antigamente o diretor fazia a mágica acontecer por meio da câmera, no processo de fazer o filme, para ter uma imagem de arte. Mas agora corrige tudo, não precisa de diretor e fotógrafo, é quase tudo automático. Você percebe quando assiste ao filme. Obviamente o cinema cresceu, em quantidade, todo mundo assiste, poucos leem. Mas, por outro lado, a arte é mais pobre.”
Para o diretor, o uso do cinema como ferramenta política se dilui. “As pessoas veem filmes sem pensar. Você pode assistir diferentes filmes em um só dia e jogá-los fora como um jornal. Cinema agora existe mais para passar o tempo.”
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