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A alma de Anna Karenina não descansa em paz. Desde 1911, o cinema ressuscita os tormentos da coitada e de tempos em tempos sua paixão trágica reencarna nas telas. Mas que tipo de comoção ainda se pode esperar do adultério, agora que moralismo é palavra morta?
Somente a tentação do luxo e o fascínio por belas imagens justifica a enésima transposição para o cinema do clássico de Tolstói. Disfarçada sob nova roupagem, a mais recente produção russa tenta atrair com um subtítulo, “Anna Karenina: A História de Vronsky”.
À linha central do romance de Tolstói, o roteiro do longa incorporou parte de um conto que narra o reencontro, anos mais tarde, do amante de Anna com o filho dela, Sergei. Agora médico, ele trata dos ferimentos de Vronsky na guerra russo-japonesa em 1904.
Vronsky se transformou num homem alquebrado pela vida e pela iminente derrota para o Japão. Enquanto se recupera, rememora sua versão dos fatos que culminam no suicídio de Anna.
A astúcia narrativa permitiria, supõe-se, renovar a trama, agregando uma visão. Mas o diretor Karen Shakhnazarov não arreda pé das convenções.
Assim, a história de Vronsky resume-se a transformá-lo no narrador que, em flashbacks, desfia a paixão proibida entre ele e Anna em oposição ao patriarcal Karenin, que não concede o divórcio, condenando-a à clandestinidade que a enlouquece.
O ponto de vista de Sergei, vítima colateral da tragédia, também fica neutralizado quando só lhe resta a posição passiva de ouvinte do relato.
De resto, é a mesma “Anna Karenina” que sempre se viu no cinema, com muitos vestidos farfalhantes, colos arfantes e olhos lacrimejantes.
Tem beleza? Certamente, na plástica de Elizaveta Boyarskaya (Anna), no corpo sarado de Max Matveev (Vronsky) e na direção de arte, que teve liberdade para gastar, pois o diretor também comanda a Mosfilm, dona do cinema russo desde os idos do camarada Stalin.
O que se vê na tela, porém, é mais solene e funéreo que os calhamaços em repouso eterno na biblioteca.
Quem tiver duas horas e 38 minutos sobrando ganha mais entregando-se à soberba tradução de Rubens Figueiredo (ed. Companhia das Letras, 2017) para ser tragado de verdade pelo inferno do amor.
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