É incrível alcançar 170 países, diz Marco Pigossi, que trocou Globo por Netflix

Após dez novelas, ator assinou contrato para duas séries da plataforma, uma delas já gravada

O ator Marco Pigossi - Eduardo Anizelli/ Folhapress
Nelson de Sá
São Paulo

Marco Pigossi, 29, protagonista de novelas como “A Força do Querer” (2017), deixou para trás uma década de Globo e foi gravar uma série para a Netflix na Austrália.

“Tidelands” ainda não tem data para estrear, mas as gravações terminaram e o ator voltou no final da semana para São Paulo, no rastro da controvérsia sobre sua saída —que teria marcado a ascensão da Netflix como maior concorrente da Globo em produção de dramaturgia nacional.

​Pigossi diz não compreender a polêmica, porque seu contrato iria vencer mesmo e, dez novelas depois, ele só quer experimentar. Assinou contrato para duas séries na Netflix. Começa a gravar na virada do ano a segunda, “Cidades Invisíveis”, do diretor brasileiro Carlos Saldanha.

 

Sua ida para a Netflix foi controversa. 

É muito louco, porque só aqui existe essa coisa de o ator ser de um lugar. Ele trabalha em todas as partes, é normal. Uma hora tem trabalho, outra hora não tem. Você vai a Hollywood e os estúdios não têm posse do ator. Ainda mais hoje, em que o mercado de streamings novos é gigante.

Como foi a mudança? 

Eu já tinha na minha cabeça, há tempo, a ideia de mudar meu formato de trabalho. Não é rompimento com a Globo, não é nada disso. Fiz dez novelas em dez anos. E fiz todos os personagens num mesmo padrão. Tinha necessidade de experimentar. Aí veio a história de estudar fora, ir para Londres, fazer teatro. Fiquei uma semana lá, mas, no meio, acabou vazando que não tinha mais exclusividade e veio o convite da Netflix. Foi tudo muito rápido. Li um capítulo, peguei o avião e fui. É mais simples que essa... acabou virando uma polêmica.

A ideia é que você usou Londres como desculpa. 

Não, porque se fosse para a série eu faria. Meu contrato expirou no dia 31 de março. Não tinha necessidade de nada disso.

Você gravou a primeira temporada?

Sim, oito episódios de uma hora. Tem um pouco de thriller policial. E me expandiu total, por ser língua diferente, num país diferente, uma história completamente diferente. Eu queria mudar.

Antes você já saiu para fazer filme. 

É, já tinha começado. Em 2016, pedi um ano de intervalo para fazer cinema. Porque no cinema falavam, quando meu nome surgia, “Ah, o Pigossi está em novela”. Naquele ano fiquei sem e consegui fazer dois longas, que lanço neste ano. [O primeiro, “O Nome da Morte”,] estreia agora no dia 2. Já foi uma expansão, personagens que eu jamais faria na TV. Um assassino de aluguel que matou 492 pessoas, uma história real. O outro é um lutador que nunca foi campeão mundial, mas que através da luta conseguiu se encaixar socialmente e hoje tem um trabalho superbacana, que tira a molecada da droga para o muay thai.

Na série, foi seu primeiro papel em outra língua? 

Primeiro. Nunca tinha atuado em inglês, e quando veio esse convite eu até falei: “Não posso, não vou conseguir”, no sentido de soar como americano ou australiano. Mas depois soube que os personagens vinham de partes diferentes, que cada um tinha um sotaque, que esse era o interesse.

De onde vem o seu?

Eles são filhos de “sirens” [ninfas], as personagens da mitologia, mas metade humanos. Elas seduzem os pescadores, engravidam e largam essas criaturas na costa, nas pedras. Então, teoricamente ele é filho de pescador brasileiro, mas a gente não específica de onde eles vêm. São esses seres.

Ela se passa na Austrália? 

Numa ilha da Austrália. É a primeira produção original australiana da Netflix. Alguns atores são de outros lugares, o Dalip Sondhi, que é indiano, a Elsa Pataky, espanhola que também tem sotaque superforte. Mas a equipe é australiana.

A Netflix tem interesse grande no Brasil, seu primeiro mercado internacional. O que ela quer de você?

Esse convite foi resultado de uma conversa com eles, em que mostrei interesse em explorar outros lugares, línguas. E eles vieram com uma segunda série, do Carlos Saldanha, “Cidades Invisíveis”. É um cara superinteressante, de representação do Brasil. É a história de um policial que circula entre dois mundos. Existe um submundo habitado por criaturas que se desenvolveram do folclore brasileiro. Achei brilhante.

É animação? 

Não. Ele vai trabalhar com efeitos, no sentido de evoluir esses personagens, mas não é de animação.

Você será o policial?

É, um delegado, que fica preso entre os mundos. A gente já teve umas três conversas, eu e Saldanha. Está em desenvolvimento, nem sei muita coisa, mas é incrível essa possibilidade de levar a sua história, do seu país, para 170 países [segundo a Netflix, o alcance é ainda maior, atingindo 190 países].

Existe uma diferença grande no modo de produção. Como você os compara?

Se não tivesse feito dez novelas, não sei se conseguiria fazer a série. Esse tempo de set, em que você fica numa novela durante oito meses, 12 horas por dia, é uma escola. Agora, 172 capítulos é pauleira. Do outro lado, que é muito legal, numa série você tem tempo de preparação. Tem ensaio a cada dois blocos, para as falas, para debater personagem, o caminho dele, os conflitos, junto com os escritores. É um processo de criação conjunto, porque tem tempo. São oito capítulos sendo gravados em quatro meses.

Na novela, você não sabe para onde vai o personagem.

Exatamente, começa de um jeito e termina de outro. Você tem que estar aberto para o que autor vem propondo. Foi um aprendizado muito grande. E eu gostava de fazer novela!

Há uma discussão sobre a própria sobrevivência do formato novela no streaming, porque é um folhetim, para consumo diário.

É um folhetim. O trabalho com o espectador na série é diferente. Você pode deixá-lo na dúvida, pode brincar e fazê-lo continuar assistindo. Numa novela você precisa deixar tudo muito claro, porque a gente assiste de outra maneira. A história precisa ser repetida, para que ande. Quando estava lá [na Austrália], eu tentei explicar o que significa a novela na vida do brasileiro. É uma coisa muito presente, cultural. As coisas estão mudando, mas é muito nosso. “A Força do Querer” teve uma super audiência, foi um renascimento das novelas. Eu não acredito que vai...

É até difícil imaginar o Brasil sem novela.

É, entendeu.
 

Como era a sua rotina nas novelas? Conseguia decorar?

Pois é, eu passava meus domingos decorando, das quatro às dez da noite, para a semana inteira. Porque a gente tinha uma carga horária grande e chegava cansado. Então eu preparava e um dia antes só relia, estudava. Você tem de estar ligado para onde vai o personagem, de onde veio, a emoção, o ciclo. Do outro lado, esse é que é o grande interesse de série, em que você sabe a história do personagem, então pode construir o arco dramático para ele. E tem uma profundidade maior de estudo, mais tempo para fazer a cena. Tem um tempo do ator muito maior.

Quando você vai fazer a nova série?

A gente começa a gravar no final do segundo semestre ou início do ano que vem. Até lá, vou tentar participar ao máximo do processo de criação, estar junto do Carlos e ir acompanhando. Ele fica em Los Angeles, mas acho que virá para cá, porque vai dirigir.

O impacto do streaming abrange não só cada vez mais produções nacionais, mas a presença de atores brasileiros em séries em outras línguas.

Em “Narcos”, o Wagner [Moura] é brilhante. E eu estava assistindo agora “Westworld” [com Rodrigo Santoro]. É o momento mais incrível, acabou essa coisa de que o ator só fala sua língua. Você pode explorar. Uma coisa que aprendi no set de [“Tidelands”] é que é universal: Em qualquer lugar do mundo as pessoas vão entender as emoções daquela história. É um movimento muito interessante. Cada um tem seu caminho, quando o Wagner foi, o próprio Rodrigo Santoro, a Alice [Braga]. Mas esse movimento hoje, de globalização, é incrível para qualquer ator.

Além da Netflix, tem as outras plataformas.

Estão investindo muito em conteúdo. Eu já soube de uma série que a Amazon está produzindo em Cuba. Uma produção cubana. Daqui a pouco eles vêm para cá também.

Se um dia a Globo chamar de volta, você vai?

Lógico. Meu objetivo é expandir, não limitar. Não quero deixar de fazer uma coisa ou fechar uma porta. É óbvio que eu vou.

Nenhum problema com novela?

Nem com novela nem com nada. Eu precisava explorar outras coisas, dar essa reciclada lá.
 

Você não pretende partir para produção, como Alice Braga com a série "Samantha"?

Acho interessantíssimo. Eu me produzi em teatro aqui. Acho legal, no sentido de conduzir um pouco mais a sua carreira e contar as histórias que te interessam. Mas eu só produzi duas peças, “O Olho Azul da Falecida”, um Joe Orton, e “O Sucesso a Qualquer Preço”, do David Mamet.

Foi bem-sucedido, do ponto de vista financeiro?

[risos] Cara, eu aprendi duas coisas no Brasil. A primeira é nunca mais produzir. A segunda é dizer sim para qualquer produtor. [risos] Brincadeira. Mas é difícil produzir cultura neste país. É um reflexo de tudo o que a gente está vivendo. Um país que não consome cultura é uma massa de manobra frágil.


Marco Pigossi, 29 

Paulistano, trocou a natação profissional pelo teatro na adolescência; na Globo, fez dez novelas e agora fechou contrato para protagonizar duas séries na Netflix; também é o ator principal de ‘O Nome da Morte’, filme de Henrique Goldman que estreia em 2/8 no cinemas
 

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