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Moda

Pudor do calendário Pirelli resvala no ativismo barato da moda

Nova fase desconstrói a liberação do corpo, tanto o feminino quanto o masculino

Pedro Diniz

Corpos femininos e masculinos são a alma da fotografia de moda desde Helmut Newton, Guy Bourdin e, antes deles, Man Ray. A nudez como moldutra da criação de vestuário, mesmo sem pano na foto, baseou a lógica de autoafirmação por meio do guarda-roupa, quebrando a ideia de que ele só servia para esconder a pele dos maliciosos.

A escolha da Pirelli de vestir modelos nas últimas edições simboliza o retorno desse pudor ao estilo século 19 —recato que uma parte da indústria da moda parece querer colar como resposta aos abusos que surgiram pós-Weinstein.

O resultado da nova fase coroa a demonização do corpo como uma resposta às críticas, essas justificadas, da inércia histórica da moda contra abusadores. Mas o que as novas folhas fazem é desconstruir a liberação do corpo, tanto o feminino quanto o masculino, conquistada na segunda metade do século 20.

É preciso localizar o Pirelli no tempo. Nascido após a explosão das pin-ups, passou a assumir um viés artístico. As edições artesanais, disputadas a tapa por fashionistas, viraram projeto de carreira dos maiores fotógrafos do mundo.

Quando o corpo deixou de ser um problema ali, o calendário viveu seu auge. Talvez as últimas sessões relevantes tenham sido as de Karl Lagerfeld para a edição de 2011, na qual músculos masculinos e curvas femininas reproduziam o olimpo grego, e a de 2016, assinada por Annie Leibovitz, com Yoko Ono, Amy Schumer e Patti Smith e a sensualidade das mulheres sem retoques.

Sem motivos claros para existir, edições como a de 2018, um "Alice no País das Maravilhas photoshopado", e a de 2015, conduzida por um Peter Lindbergh acuado pela patrulha moralista, não servem nem para mesa de centro.

O perfume conservador também embebe fatia importante da moda, com um sem fim de roupas que cobrem o corpo com camisolas de vó. Uma parte tem propósito estético, mas outras são extensões do discurso reacionário.

O incômodo maior que estala do ativismo de borracharia sai da certeza de que os panos devem logo cair outra vez. Revistas voltaram a escalar, sem dar explicações, nomes como Patrick Demarchelier e Bruce Weber, acusados de assédio. Os dois negam.

Não causaria espanto se a mudança que a indústria diz ter adotado logo seja substituída pelo antigo estado de negação, e a nudez volte, não pelo motivo certo, à ribalta.

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