Alvo de uma exposição, Paulo Mendes da Rocha discute lado inefável de seu ofício

Às vésperas de fazer 90 anos, arquiteto tem relação entre terra e água mostrada no Itaú Cultural

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O arquiteto Paulo Mendes da Rocha

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha se preocupa com a política feita via celular. 

“Esse modo de usar o telefone rouba das pessoas algo fundamental. Elas não olham mais umas às outras. Todos ficam olhando esse instrumento. Uma coisa era a eleição há 30 anos. Outra é agora que a opinião pública pode mudar a visão sobre um candidato entre meio-dia e quatro da tarde. É difícil imaginar a gestão do país à base da propaganda, da opinião da noite para o dia.”

Às vésperas de completar 90 anos, Mendes da Rocha permanece intrigado com o mundo atual. Não se entrega a saudosismos mesmo quando isso seria admissível pela idade e sua laureada carreira. 

Sua obra é celebrada mundo afora. Para muitos arquitetos, flagrá-lo na esquina das ruas General Jardim com Bento Freitas, onde há décadas está seu escritório, é como ver um santo a atravessar a rua. 

Tais beatificações ficam a cargo de quem mal o conhece. O próprio Mendes da Rocha, que já venceu o prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, e na presente década foi agraciado com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, não se mostra tão confortável com essas manifestações.

Mas essas condecorações fazem dele, sim, o mais importante arquiteto brasileiro vivo. Sua trajetória começou a se destacar ainda em 1958, quando venceu o concurso do ginásio do Clube Paulistano. 

Foi então marcando a cidade de São Paulo com projetos como o MuBE, a cobertura da praça do Patriarca e a requalificação da Pinacoteca. No ano passado, inaugurou seu mais recente projeto, o Sesc 24 de Maio, em que oferta, no centro da cidade, uma sobreposição de espaços culturais e esportivos para, por fim, tentar uma espécie de reconciliação do paulistano com a água na enorme piscina da cobertura.

Essa relação entre terra e água ancora uma exposição sobre a obra dele organizada por dois de seus discípulos, o arquiteto Martin Corullon e o crítico Guilherme Wisnik, agora no Itaú Cultural. Entre os projetos ali, estão desenhos de uma megacidade às margens do rio Tietê, além de intervenções para as baías de Vitória e de Montevidéu. 

Desde a década de 1990, Mendes da Rocha não tem uma equipe fixa de arquitetos. Em cada projeto, trabalha em parceria com outros escritórios, como Metro e MMBB. A dinâmica varia em cada obra. 

Corullon, um dos sócios do Metro e colaborador de Mendes da Rocha desde 1993, destaca os debates com o mestre. “Mais que em desenhos, Paulo vai elaborando tudo mentalmente, apresentando e testando por meio de conversas.”

Tal como Corullon, Wisnik foi aluno do arquiteto. Ele lembra que o professor evitava comentar o que estudantes tinham desenhado e falava sobre questões mais amplas. 

“No curso de arquitetura, interessa tudo, menos arquitetura. Nada mais frágil do que uma escola disso. É impossível ensinar arquitetura, mas você pode educar um arquiteto”, diz Mendes da Rocha.

Pode-se até enxergar isso como certo proselitismo da parte do arquiteto, mas Wisnik pensa de outro modo. “Ele tem um estilo socrático”, diz o crítico. “Gosta do diálogo e de testar ideias com interlocutores. Isso é exigente para quem está junto, pois demanda atenção o tempo inteiro. Às vezes, é duro. Mas percebi que a dureza é resultado de uma profunda generosidade. Ele está atento ao outro.”

Na atual exposição, cheia de croquis e desenhos, alguns dos projetos deixam mais nítidos esses laços afetivos. Entre eles, alguns desenhos do pai do arquiteto, que propôs um canal que ligasse as bacias Amazônica e da Prata. 

Os traços revelam a origem de questões sempre presentes na imaginação do arquiteto, em especial a técnica, o transporte hidroviário e o continente americano.

Dentre os vínculos familiares, também são esclarecedores os relatos da cineasta Joana Mendes da Rocha, penúltima dos seis filhos do arquiteto e codiretora do documentário “Tudo É Projeto”, sobre o pai. 

Joana cresceu na Casa Butantã, projetada por Mendes da Rocha para sua própria família em 1964. A morada é toda em concreto aparente e com divisórias internas que não chegam até o teto. 

“Você acaba conversando com todo mundo. Quando se está num quarto, você ouve o outro. Se coloca música na sala, a casa inteira ouve”, conta. 

Nas palavras de Joana, é uma casa onde não há lugar certo para as coisas, em que se pode correr e andar de bicicleta na sala, montar casinhas no banheiro ou embaixo da mesa, subir na cobertura ou ir dormir ao lado da lareira —uma casa que propiciava a fantasia.

O próprio arquiteto atesta: “A fantasia é muito estimulante para nossa existência”. Isso, aliás, é pertinente à sua compreensão da própria profissão. “A arquitetura é a parte literária, o conteúdo lírico e poético da engenharia. É tão indizível quanto gracioso.”

Uma conversa com Mendes da Rocha mais parece uma breve versão da história de todo o universo. Poderia ser excessivamente dispersivo mas acaba sendo coerente. 

Nos mais diversos assuntos que o arquiteto aborda, vamos encontrando conexões. Pelo caminho que iniciou ao refletir sobre os dias atuais, Mendes da Rocha reafirma convicções sobre a arquitetura e acaba por testar o interlocutor.

“Nunca o universo foi mais ou menos complexo. Porém, não se tinha consciência sobre essa questão tanto quanto hoje. Então é indispensável ser um pouco alienado para viver em paz. Para poder se divertir de modo pueril, como são os melhores divertimentos, é necessário cultivar uma certa alienação.”

Paulo Mendes da Rocha
Abre na quarta-feira (12), às 20h, no Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel.: (11) 2168-1777. De ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., 11h às 20h. Grátis.

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