Descrição de chapéu Livros

Catalão reconta 20 anos de viagens em busca de livrarias pelo mundo

Em livro, ensaísta Jorge Carrión mistura diário de bordo, reportagem de fôlego e ensaio cultural

Alvaro Costa e Silva
Rio de Janeiro

No mapa-múndi do catalão Jorge Carrión, as tachinhas marcam livrarias. Durante 20 anos ele viajou pelos cinco continentes em busca delas, colecionando selos, cartões-postais, fotografias, figurinhas. Um dia percebeu que estava se preparando para escrever o livro que ora se publica no Brasil, cujo título define a obsessão do leitor-viajante: “Livrarias: Uma História da Leitura e de Leitores”.

Ao discutir o significado das livrarias no imaginário coletivo, a obra recorre à história do comércio de livros da Roma Antiga aos dias de hoje. Pula da Guatemala à Austrália, da China à África, de costa a costa nos Estados Unidos. 

O texto mistura diário de bordo, reportagem de fôlego e ensaio cultural. Em algumas passagens, exibe um tom nostálgico, crepuscular, melancólico. Mas passa longe da mistificação. 

O autor sabe que, como os dinossauros, as livrarias podem desaparecer. “Mas não acredito que isso aconteça neste século”, diz Carrión, que é professor na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona.

Em sua lista sentimental destacam-se duas lendas construídas na Paris do período entreguerras: 
“As livrarias mais importantes do século 20 são a Shakespeare and Company original, a de Sylvia Beach, e a Maison des Amis des Livres, de Adrianne Monnier. Nelas há a ideia da livraria para escritores e que funciona como editora e centro cultural de leituras, exposições, concertos. Até mesmo de hotel, quando Hemingway precisava dormir para curar uma bebedeira”.

Desde 1981 a Shakespeare and Company virou uma cadeia de livrarias, com quatro sedes em Nova York, todas perto de faculdades. 

Drummond na Livraria Leonardo da Vinci, em foto de 1982
Drummond na Livraria Leonardo da Vinci, em foto de 1982 - Eurico Dantas/Agência O Globo

No entanto, nada parecido com a Barnes & Nobles, que colonizou o mercado universitário com mais de 600 lojas (fora outras 700 sucursais espalhadas pelos EUA), onde não se vendem apenas livros de referência ou de leitura obrigatória, mas sobretudo camisetas, moletons, canecas, cartazes, café Starbucks e, se duvidar, até sandálias Havaianas para estudantes mais descolados.

O modelo do negócio gigante é hoje a principal ameaça à sobrevivência das livrarias autônomas: “Mas tampouco acho que as megalivrarias consigam sobreviver por muito tempo. Estamos caminhando para uma polarização: de um lado, as independentes, históricas, de bairro; de outro, a Amazon. As vendas pela internet tendem a crescer ainda mais. Mesmo assim, acredito num futuro com livrarias pequenas, em escala humana”. 

Carrión aponta uma curiosidade: as maiores redes brasileiras nasceram de projetos de imigrantes. Joaquim da Fonseca Saraiva abriu a primeira Saraiva em 1914; a Nobel foi fundada em 1943 pelo italiano Claudio Milano; e a Cultura surgiu a partir da ideia da judia alemã Eva Herz de abrir um serviço de empréstimo de livros em 1950.

O livro cita o poema que Carlos Drummond em homenagem à livraria Leonardo da Vinci: “A loja subterrânea/ expõe os seus tesouros/ como se os defendesse/ de fomes apressadas”. Durante anos modelo e patrimônio da cultura carioca, a loja administrada por dona Vanna Piraccini não se adaptou aos novos tempos. Em 2016 mudou de mãos e de estilo para continuar sobrevivendo.

Sobre a Berinjela —que fica na mesma galeria da Leonardo da Vinci— há um depoimento do poeta e editor argentino Aníbal Cristobo: “É um lugar que me lembra o filme ‘Cortina de Fumaça’: um ponto de encontro de escritores que de repente pode se tornar uma gravadora ou uma editora”. É verdade, mas sua consistência vem do acervo constantemente renovado.

Na vida de globe-trotter, o escritor esteve três vezes no Rio, a última das quais seguindo os passos do escritor Stefan Zweig, que se matou no exílio de Petrópolis, em 1942. 

Carrión utiliza como bússola do livro um conto de Zweig, “Mendell dos Livros”. Nele um alfarrabista, de memória espantosa, passa os dias sentado numa mesa de café vienense, como se tivesse a sua frente todos os livros do mundo, prontos para consulta.

“A livraria é uma rede de citações. Por isso meu livro é de certa maneira benjaminiano, porque abre espaço para vozes de escritores. São particularmente importantes e presentes aqueles que me formaram como autor: Borges, Cortázar, Sebald, Bolaño.”

Da passagem pelo Rio de Janeiro, ele guarda com carinho o “Roteiro das Livrarias do Centro Histórico”, folder em papel couché, com tiragem de 10 mil exemplares, rodado em 2006, listando 47 estabelecimentos. 

“Uma iniciativa que deveria ser imitada em outras cidades do planeta”, elogia. Pena que, com o fechamento de vários sebos e livrarias nos últimos anos, o luxuoso guia deixou de circular. Tal e qual os dinossauros.

Livrarias - Uma História da Leitura e de Leitores

  • Preço R$ 59,90 (296 págs.)
  • Autor Jorge Carrión
  • Editora Ed. Bazar do Tempo
  • Tradução Silvia Massimini
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