Ficção científica da diretora Claire Denis tem Juliette Binoche e Robert Pattinson no elenco

Exibido esta semana no Festival de Toronto, filme é primeiro longa em inglês da cineasta francesa

Guilherme Genestreti
Toronto

Nas mãos de um diretor hollywoodiano, “High Life” poderia ter remoído velhos clichês da ficção científica. Sob a batuta da francesa Claire Denis, em seu primeiro longa rodado em inglês e exibido na segunda-feira (10) no Festival de Toronto, o resultado é um produto alienígena dentro do gênero, uma reflexão sobre as pulsões do desejo. 

Viajando num foguete que parece uma torradeira estão astronautas de várias etnias, entre eles um celibatário Robert Pattinson, comandados pela tirânica cientista interpretada por Juliette Binoche. Todos são presidiários enviados como cobaias de um experimento. 

A diretora não se atém às explicações ou ao fetiche futurista; na trama, a tecnologia tem cara retrô, um visual meio 32 bits. O que ela quer é que o espectador só aceite e embarque numa viagem cheia de fluidos – o sangue que explode dentro dos capacetes, o sêmen que é coletado todos os dias, a urina que o personagem de Pattinson ensina um bebê a não ingerir. 

Nenhuma cena ilustra essa jornada erótica quanto a que a cientista vivida por Binoche se fecha na “fuckbox”, uma câmara onde ela se masturba sob uma trilha sonora soturna e imagens que ressaltam os músculos de suas costas e suas longas tranças negras. É sublime e é assustador.

Um crítico do jornal “Guardian” não poupou a hipérbole: “É a melhor cena de sexo solitário da história do cinema”. 

Daí fica claro. O que a cineasta francesa quer é tornar a falar de corpos, uma constante em sua obra, mas agora num lugar que não na dinâmica da África pós-colonial de “Bom Trabalho” ou da Paris multicultural de “35 Doses de Rum”. O espaço sideral lhe serve para olhar o corpo em seus aspectos mais primais. 

Em certo ponto da trama, irrompe a violência. Um dos astronautas estupra outra tripulante, e segue-se um morticínio. Mas, novamente, é uma obra de Denis, e não uma enésima continuação de “Alien”. 

Juliette Binoche em cena do filme High Life, de Claire Denis
Juliette Binoche em cena do filme High Life, de Claire Denis - Divulgação

A riqueza sensorial de “High Life” se contrapõe à pobreza de estilo de “Red Joan”, do britânico Trevor Nunn. Seu filme faz jus à maldosa frase do parisiense François Truffaut, que dizia que “cinema inglês é uma contradição em termos”.  ​

História real de uma velhinha britânica que serviu de espiã da KGB, “Red Joan” tem mediocridade estética digna de telefilme, a mesma que volta e meia dá as caras no Oscar no trabalho de outros ingleses igualmente pouco inspirados como Tom Hooper (“O Discurso do Rei”), John Madden (“Shakespeare Apaixonado”) e Stephen Frears (“A Rainha”). 

Judi Dench, claro, é quem vive a tal velhinha. Quem mais?

Na primeira cena, a vemos regando seu jardim, que é o que senhoras pacatas fazem nos filmes ingleses. Quem baterá à sua porta é a Scotland Yard. É que 50 anos antes ela repassou informações confidenciais à União Soviética. 

A história é inspirada no caso de Melita Norwood, a “vovó espiã” dos tabloides. Na vida real, ela era uma entusiasta do comunismo que se aproveitou da condição de secretária no projeto de desenvolvimento da bomba atômica inglesa para repassar segredos a Stálin. 

O filme de Nunn dá uma amaciada. Transforma a personagem numa idealista que só repassou as informações porque almejava a paz mundial, isto é, para que várias superpotências tivessem a bomba e assim nenhuma pudesse se impor. De fato, muito sagaz. 

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