Maria Luísa Barsanelli

É o fim do mundo. Zumbis tomaram conta de tudo, e restam poucos sobreviventes. É preciso então agir. Nada de exércitos ou insurgências, mas uma palestra, fria e calculista, de como se virar em meio ao apocalipse.

É quase monótono o tom em que falam os quatro palestrantes de "Mortos-Vivos, Uma Ex-Conferência", peça do grupo carioca Foguetes Maravilha que estreia em São Paulo.

Dialogam quase sem mexer os lábios, falando entre os dentes e num olhar fixo, quase sem vida. Explicam quem são os tais zumbis, seres antissociais que agem por impulso e com quem não é possível dialogar. Também se vestem de modo estranho e têm uma higiene pessoal duvidosa.

É um preceito um tanto fantasioso, porém serve de metáfora para tratar das mazelas sociais. Escrito pelo gaúcho Alex Cassal, que há alguns anos mora em Portugal, o texto refletia a visão do autor sobre a crise de refugiados na Europa. Logo ganhou paralelos com questões brasileiras.

"O refugiado é visto como um povo que foi descivilizado, desumanizado. E isso fica complexo quando é transposto para as questões de classe no Brasil", afirma Renato Linhares, que dirige a montagem e integra o elenco.

"O mais baixo na escala hierárquica dos personagens de terror", segundo o encenador, o zumbi acaba representando tudo aquilo que é diferente e causa incômodo, amedronta.

Tanto que os conferencistas replicam ironicamente algumas frases feitas. "Morto-vivo bom é morto-vivo morto", diz em determinado momento um dos palestrantes. Já outro propõe a criação do MCCZB - Movimento Cívico Contra a Zumbificação do Brasil.

Os estudiosos também passeiam por outras teorias. Lembram, entre outros, da "banalidade do mal" expressa por Hannah Arendt para falar dos nazistas não apenas como violentos, mas burocratas que seguem à risca suas ordens.

Mas tudo é feito com algum humor, em parte inspirado em clássicos pastelões como a série cômica "Os Trapalhões".

As vozes dos atores, que falam por meio de microfones, começam sincopadas e rígidas. Ao longo da peça, ficam mais soltas, mas começam a falhar. Uma sobrepõe a outra; por vezes há microfonia.

"É como se o mundo estivesse acabando mesmo, tudo falha", afirma Linhares. "Como esse é um tema muito difícil, a gente resolveu brincar com toda a linguagem." MLB

Mortos-Vivos, Uma Ex-Conferência

  • Quando Sex. e sáb., às 21h30, dom., às 18h30. Até 27/10
  • Onde Sesc Belenzinho, r. Padre Adelino, 1.000
  • Preço R$ 9 a R$ 30
  • Classificação 12 anos
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