Filme derradeiro do diretor Orson Welles não é fácil

"O Outro Lado do Vento" tem edição frenética, narrativa experimental e diálogos sem sentido

André Barcinski
São Paulo

O cineasta Orson Welles morreu em 1985, aos 70 anos, deixando uma série de obras-primas do cinema, como “Cidadão Kane” (1941) e “A Marca da Maldade” (1958). Deixou também vários projetos inacabados, especialmente no fim da carreira, quando sua relação com os estúdios hollywoodianos estava desgastada e ele tinha dificuldades para conseguir financiadores.

Um desses projetos foi “O Outro Lado do Vento”. Welles começou a rodar o filme em 1970, trabalhou nele até 1976, e editou algumas cenas até 1980. Mas uma sucessão de problemas de produção e financiamento prejudicou o projeto, e Welles morreu sem conseguir finalizá-lo.

Depois de décadas guardados em arquivos, os negativos foram negociados com uma produtora, que vendeu a distribuição para a Netflix.

Agora, 48 anos depois de iniciado, “O Outro Lado do Vento” finalmente pode ser visto. A versão que chega à TV, editada por Bob Murawski, foi feita de acordo com anotações e pedaços de roteiro deixados por Welles.

Sim, “pedaços” de roteiro. Porque Welles nunca teve um roteiro definitivo para a história. Os atores e técnicos que trabalharam no filme sempre tiveram a impressão de que ele inventava a história à medida que filmava. A confusão era tanta que o ator principal do filme, o cineasta John Huston, um dia perguntou: “Orson, sobre que diabos é esse filme?” Welles respondeu, enigmático: “É um filme sobre pessoas como você e eu”.

Apesar de o diretor sempre negar, a verdade é que “O Outro Lado do Vento” era um filme autobiográfico. A história é dividida em duas narrativas: a primeira conta o último dia da vida de um cineasta, Jake Hannaford (John Huston). A segunda mostra o filme em que ele trabalhava quando morreu, uma trama bizarra sobre uma linda mulher (Oja Kodar) perseguida por um homem (Bob Random).

Hannaford era claramente inspirado no próprio Welles: um ex-menino prodígio do cinema, que no fim da carreira batalhava com estúdios para conseguir dinheiro e liberdade criativa. A história espelhava a de Welles, que depois de estrear com “Cidadão Kane”, passou os 44 anos seguintes implorando por dinheiro. 
Quando começou a filmar “O Outro Lado do Vento”, ele havia voltado para Hollywood depois de quase duas décadas filmando na Europa.

“O Outro Lado do Vento” não é um filme fácil. Editado de maneira frenética, tem uma narrativa experimental e fragmentada. Os personagens são alusões a figuras como o escritor Ernest Hemingway, o ator Mickey Rooney e o cineasta Peter Bogdanovich, amigo pessoal de Welles, e que atua no filme.

Vários diálogos parecem fazer sentido apenas para Welles, contendo piadas internas e analogias cujos significados só ele sabia. No fundo, é um filme caseiro, mas feito por um dos grandes cineastas de todos os tempos.

Para compreender melhor o filme e as circunstâncias em que foi realizado, uma boa dica é assistir ao documentário “Serei Amado Quando Morrer”, de Morgan Neville, que a Netflix estreou esses dias. Por meio de entrevistas com atores, técnicos e amigos do cineasta, Neville explica o processo criativo de Welles e revela detalhes que ajudam o espectador a entender “O Outro Lado do Vento”.

O Outro Lado do Vento

  • Onde Disponível na Netflix
  • Elenco John Huston, Oja Kodar, Peter Bogdanovich
  • Direção Orson Welles

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