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Artes Cênicas

'Villa', peça sobre sobre ditadura, encontra espantosa atualidade

Apesar de encenação tímida, montagem é um grande acontecimento teatral para os dias em que vivemos

Paulo Bio de Toledo

Villa

  • Quando Qui. a sáb., às 20h30; feriados, às 18h. Até 24/11
  • Onde Sesc Pinheiros - auditório 3º andar, r. Paes Leme, 195
  • Preço R$ 7,50 a R$ 25
  • Classificação Livre

"Villa" se refere à Villa Grimaldi, um dos mais cruéis centros de detenção, tortura e assassinato na ditadura de Augusto Pinochet no Chile.

Durante a peça, escrita pelo chileno Guillermo Calderón, três mulheres discutem, anos depois, sobre o que fazer com as ruínas do local e como lidar com aquela memória traumática. Mas não há acordo entre elas, e as soluções apresentadas parecem-lhes sempre insuficientes.

O debate evidenciado pela montagem nacional, dirigida por Diego Moschkovich, encontra espantosa atualidade no Brasil de hoje. A encenação de "Villa" é um grande acontecimento teatral para os dias em que vivemos. Ao mesmo tempo, a versão é tímida diante da força que prenuncia.

Na montagem chilena dirigida pelo próprio Calderón, apresentada no Brasil há seis anos, "Villa" é seguida de outro pequeno texto do autor chamado "Discurso", formando um díptico. Neste segundo texto, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, que foi presa e torturada junto com sua mãe na Villa Grimaldi, torna-se personagem e pronuncia um discurso no final de seu mandato.

A desvinculação entre as duas obras na versão atual de "Villa" diminui a amplitude crítica proposta por Calderón. Afinal, "Discurso" é compreendida à luz de "Villa" ao mesmo tempo em que atualiza o olhar sobre ela. Em conjunto, as duas peças criam uma imagem contraditória sobre a permanência do que se julgava superado com o fim da ditadura.

Em contrapartida, "Villa" apresentada sozinha tende a neutralizar o problema histórico ao inseri-lo em uma situação dramática de confinamento. Algo que também acontece em "Neva" e "Dezembro", outras duas peças do autor chileno montadas recentemente por Moschkovich.

O tema público da memória da ditadura perde espaço no palco para os conflitos entre personagens isoladas numa sala de reunião.

Dito de outro modo, as intrigas, a divergência de personalidade e os desacordos meio cômicos entre as três mulheres ameaçam sobrepor-se ao próprio assunto que está sendo debatido e que deveria ser o coração da peça.

A insistência por uma interpretação rigorosamente realista nesta montagem enraíza a ação e faz a cena ganhar objetividade crítica, mas contribui também para impedir que a peça aponte para fora de si mesma.

Sem a contraparte de "Discurso", é como se "Villa" pedisse uma encenação mais crítica, com fissuras na lógica dramática do texto, interrupções da ação, comentários. Apesar de transbordar atualidade e de mostrar rigor e seriedade no trabalho de atuação, a montagem atual acanha-se diante da complexidade do material que enfrenta.

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