Bial termina temporada de entrevistas com alertas sobre a democracia

Última semana do programa comandado pelo jornalista fez pontes entre o clima de 1964 e o de 2018

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O apresentador e jornalista Pedro Bial em estúdios da Globo em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress
 
São Paulo

​A última semana no calendário de “Conversa com Bial”, programa de entrevistas de Pedro Bial exibido pela Globo na madrugada, firmou na TV um raro estado de alerta sobre o futuro da democracia no governo Bolsonaro.

Com associação indireta entre 1964 e 2018, quebrou-se ali também a tradição brasileira dos talk shows mais cômicos do que abrasivos.

Jô Soares era a referência até então, sempre brando. Danilo Gentili e Tatá Werneck mantiveram o tom, enquanto Bial fazia uma aproximação com a contundência dos americanos, ainda que longe de firmar o posicionamento de Stephen Colbert em sua campanha contra Donald Trump, no “Late Night Show” da CBS. 

No desfecho da temporada, houve empenho de Bial e de sua equipe de levantar questões relativas aos preceitos da democracia, com associações, muitas vezes cautelosas, é verdade, ao perfil do presidente eleito Jair Bolsonaro e a um projeto que agora vai novamente cedendo lugar aos políticos afinados com a caserna.

Aconteceu antes mesmo da eleição, quando o jornalista e ex-apresentador do “Big Brother Brasil” terminou uma entrevista com Andor Stern, judeu brasileiro que escapou de Auschwitz, dizendo que “não é permitido aos alemães esquecer de algo que é insuportável lembrar”.

O historiador Gabriel Davi Pierin, entrevistado ao lado de Stern, entendeu o recado e fez a associação com a ditadura brasileira. 

Entre os últimos entrevistados do ano, no último dia 12, esteve o general Augusto Heleno, futuro ministro no Gabinete da Segurança Institucional, um dos homens mais influentes nas decisões de Bolsonaro e um dos poucos, disse Bial no ar, a quem o presidente eleito baixa a cabeça.

No dia seguinte, oportunamente, a pauta de Bial foi tortura, censura e autoritarismo durante o regime militar. 

Foi nesse programa do último dia 13 que o economista Delfim Netto disse que não se arrependia de ter assinado o AI-5, ato que endureceu a Ditadura e abriu brecha para os anos mais violentos do período, mas que, segundo ele, teria preservado a integridade do governo contra opositores, e havia alguns deles dentro do próprio circulo dos militares.

O escritor Zuenir Ventura e o cientista político César Benjamin foram entrevistados na mesma noite e puderam criticar algumas opiniões polêmicas de Delfim. 

As sessões de tortura a que Benjamin foi submetido durante a ditadura, descritas por ele no programa, firmaram um contraponto à longa tentativa de revisão da história que Bolsonaro tenta emplacar quando nega convicto que houve ditadura.

Ao entrevistar Augusto Heleno, Bial foi mais ambíguo –inquisidor e poucas vezes condescendente.
“O estilo cavalão marcou alguns momentos da ascensão política dele [de Bolsonaro]”, provocou BIal, replicando o antigo apelido do capitão reformado em Agulhas Negras. 

Resultou em uma oportunidade para que Augusto Heleno localizasse como meros “excessos” os conhecidos elogios de Bolsonaro a um torturador e amenizasse frases como “vamos metralhar a petralhada aqui no Acre”.

“Quando é razoável matar um criminoso armado?”, questionou Bial, repercutindo alegação de Wilson Witzel, governador eleito do Rio de Janeiro, de que atiradores de elite da polícia teriam carta branca para matar homens portando fuzis. 

Talvez tenha sido a pergunta mais capciosa do apresentador a Heleno –feita pouco depois de Bial dizer que o entrevistado era dono de uma “carreira reconhecidamente brilhante”, citando os momentos mais memoráveis em sua trajetória, como comandante na Missão de Paz no Haiti.

Para o general, o atirador tem condições de julgar se o sujeito representa “ato ou intenção hostil”, o que validaria o tiro na cabeça que o governador eleito João Dória (PSDB) também enalteceu. 

Bial, então, cobrou do entrevistado uma declaração: “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”, disse Heleno em entrevista à rádio Eldorado, em outubro. Ele voltou a defender a ideia a Bial. “Por definição, direitos humanos são para os humanos, todos”, enfrentou, com sua cordialidade, o apresentador. 

Em outro ponto polêmico, Heleno assumiu que o atual governo não vê a Constituição, do jeito que está redigida hoje, com olhos complacentes. “Foi feita em um clima, não vou falar de revanchismo, mas de preconceito muito forte”, opinou. Para ele, há na Carta “exacerbação de direitos” e “muito pouca cobrança de deveres”. Também acha que “boa parte da população tem desejo de mudá-la”.

Como quem não quer nada, Bial arriscou sua pergunta mais impertinente da noite: “Não há saída nenhuma fora da democracia, né?”, hipótese que o general negou e definiu como inegociável.

Ainda que assuntos correlatos à mal resolvida relação entre direita e esquerda tenham ficado à margem no último programa, do dia 14, eles não deixaram de aparecer também na entrevista que Tom Zé, Gilberto Gil e Caetano Veloso concederam sobre os 50 anos da Tropicália.

“Estávamos em uma situação política muito violenta, e a nossa música não respondia com violência”, contextualizou Caetano. “Fiquei muito mal com a prisão e com o exílio”. “O Momento que a gente vivia era de exceção, não democrático, uma ditadura”, reiterou Gilberto Gil.

Somadas à verve política, houve ainda as denúncias no programa dos abusos sexuais praticados pelo médium João de Deus. Bial vai construindo, assim, a possibilidade de inteligência que faltava na grade de TV.

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