Há 50 anos, prisão de Gil e Caetano elevava terror pós-AI-5 e matava a tropicália

Sob acusação de ofensas à bandeira e ao hino, detenção deu início a meses de perseguição que levaram a dupla ao exílio

Rafael Gregorio
São Paulo

Há 50 anos, Caetano Veloso e Gilberto Gil eram presos pela ditadura militar por supostas ofensas à bandeira e ao hino nacional.

Fazia 14 dias que fora decretado o AI-5, que ilustrou o recrudescimento do regime e atingiu ao menos 1.390 pessoas em seus primeiros dois anos, causando de demissões a mortes.

Era o fim da tropicália e o início de uma perseguição que culminaria no exílio dos baianos por quase três anos.

A história começou em outubro, quando Caetano e Os Mutantes iniciaram série de shows na boate Sucata, no Rio, com Gil e Gal Costa como convidados.

No palco, um desenho de Hélio Oiticica com um homem morto e a inscrição: “seja marginal, seja herói”.

O público reagia. Escandalizados vaiavam e atiravam cubos de gelo sobre o palco; entusiasmados aplaudiam e subiam à coxia.

“Show é noite de loucura com happening de Veloso”, noticiou o Última Hora, em 10 de outubro, sobre a estreia.

O regime militar, que já tinha a intenção de enquadrar a dupla, soube do show em dezembro, quando um jornalista noticiou que eles teriam desrespeitado o hino nacional.

Foi o suficiente para oficiais da Academia Militar das Agulhas Negras agirem —é o centro de formação superior das Forças Armadas onde o presidente Jair Bolsonaro estudou de 1974 a 1977.

Em 27 de dezembro, os amigos foram acordados por policiais na casa de Caetano, no centro de São Paulo. Foram levados ao Rio e tiveram as cabeças raspadas em um quartel.

Sob censura, esta Folha noticiou o retorno da Apollo-8 à Terra, após dar voltas na Lua.

Em entrevistas, Gil recordou-se da boa relação com os militares; ele fez shows para a tropa e ganhou um violão com o qual compôs “Futurível” e “Cérebro Eletrônico”.

Em janeiro, foram transferidos a quartéis separados, onde foram interrogados e informados das acusações. Foi o período mais duro, quando eles e presos políticos, como o jornalista Paulo Francis, ouviam gritos de torturados.

Mesmo inocentados, os baianos só foram soltos um mês depois, na Quarta-Feira de Cinzas. Postos em prisão domiciliar em Salvador, não podiam trabalhar e tinham de ir todo dia à Polícia Federal.

Em julho, o governo decidiu que a solução era o exílio. Para arrecadar fundos, os artistas puderam fazer shows, registrados no disco “Barra 69”. Após uma semana, viajaram com mulheres e empresário.

No período em Londres, os baianos alternaram espíritos; Caetano ficou deprimido, enquanto Gil fazia contatos com artistas do movimento hippie.

Em agosto de 1970, a dupla participou do festival da Ilha de Wight. Fizeram show e viram Doors e Jimi Hendrix, que morreu após semanas.

Caetano revisitou aquela época no disco “London, London”, que lançou em 1971. Após o fim do exílio, em 1972, Gil também versou memórias na canção “Back in Bahia”, do álbum “Expresso 2222”, em que falava sobre evitar aquela fossa “em que vi um camarada de Portobello cair.”

Era Caetano, que habitou a região da rua de mesmo nome em Londres, refúgio de imigrantes caribenhos, e a versou na música “Nine out of Ten”: “Walk down Portobello road to the sound of reggae/ I’m alive”.

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