Filmes mostram suplício de playboys que pagaram por balada VIP e sofreram golpe

Público pagou milhares de dólares para não ter shows, comer comida fria e dormir no chão em barracas de refugiados

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Cena do documentário Fyre Fraud, da Hulu
Colchões são carregados até tendas improvisadas que serviriam como hospedagem na ilha Great Exuma, em cena do documentário "Fyre Fraud" - Divulgação
São Paulo

Um festival com artistas como Migos, Blink-182 e Major Lazer, além de uma aguardada aparição surpresa de Kanye West, em uma ilha nas Bahamas, durante um evento feito por e para VIPs, em que o público teria  chalés luxuosos, comida e bebida de primeira. Sem falar nas festas, frequentadas por modelos e celebridades.

Essa era a expectativa das cerca de 10 mil pessoas que há dois anos compraram ingresso, pagando de R$ 5.700 a R$ 945 mil cada um. Expectativa alimentada pela campanha publicitária construída pelos organizadores, que gravaram um clipe nas praias de uma ilha cheia de lindas modelos, como Bella Hadid, Hailey Baldwin e Chanel Iman, além das brasileiras Alessandra Ambrósio, Lais Ribeiro e Gizele Oliveira. 

Influenciadores digitais e celebridades como Kendall Jenner, que teria recebido US$ 250 mil, ou R$ 945 mil, ainda foram pagos para turbinar a propaganda postando algo no Instagram sobre o festival —a maioria não deixou claro que havia recebido dinheiro pela ação publicitária.

Mas a realidade foi implacável. Os organizadores divulgaram que o festival seria em Norman’s Cay, ilha deserta que pertencera a Pablo Escobar. Mas o novo dono do lugar ficou irritado com a associação com o narcotraficante e desistiu de abrigar o evento. O festival Fyre foi levado então a Great Exuma, uma ilha maior, porém bem menos charmosa do que Norman’s Cay.

Centenas de pessoas desembarcaram em Great Exuma um dia antes da data de início do evento, 28 de abril de 2017. Em vez de chalés luxuosos e comidas e bebidas top de linha, encontraram tendas que são normalmente usadas para acomodar desabrigados por desastres naturais; os colchões estavam encharcados devido a uma tempestade na noite anterior; a comida se resumia a um pão de forma recheado com queijo prato; nenhum dos artistas previamente anunciados iria se apresentar.

“Depois de passar pela imigração e pegar um ônibus, quando chegamos ao local do festival percebemos que aquilo não era o que nos prometeram e pelo qual pagamos. Havia contêineres, caminhões, caixas desarrumadas e colchões por toda a parte. Algumas tendas haviam sido montadas, muitas estavam no chão. Pensei que a hospedagem pela qual pagamos seria em outro lugar, mas infelizmente aquelas tendas eram a nossa hospedagem”, contou a este repórter Seth Crossno, que diz ter desembolsado R$ 19 mil pelos ingressos.

Crossno e amigos entraram na Justiça americana, e a indenização que os organizadores terão de pagar a eles chega a R$ 19 milhões. “Mas ainda não recebemos nada do Billy McFarland.”

Billy McFarland é um empreendedor de 28 anos que se associou ao cantor Ja Rule para fazer o evento. Em outubro do ano passado, começou a cumprir pena de seis anos de prisão por fraude cometida na organização do festival.

O Fyre foi um desastre tão grande que virou tema de dois documentários recém-lançados: “Fyre Festival: Fiasco no Caribe”, em exibição na Netflix, e “Fyre Fraud”, que está na plataforma Hulu (ainda não disponível no Brasil).

O filme da Netflix estreou em 18 de janeiro, quatro dias depois do da concorrente. O da Netflix foi dirigido por Chris Smith e produzido em conjunto com a Jerry Media, empresa especializada em publicidade digital que foi a contratada pelo festival Fyre para criar a campanha do evento nas redes sociais. O da Hulu teve a direção de Jenner Furst e de Julia Willoughby Nason.

Vários dos envolvidos no Fyre —organizadores, gente que trabalhou para tentar colocar o evento de pé, público— são entrevistados em ambos os filmes. Mas os focos são diferentes.

“Fiasco no Caribe” abre espaço significativo para exibir as modelos que toparam ganhar uma grana para divulgar o evento; faz uma edição ágil com a cronologia do desastre e humaniza os habitantes que trabalharam por até 18 horas por dia e tomaram um calote.

Já “Fyre Fraud” faz a conexão entre o festival com outras picaretagens de McFarland (uma delas é um cartão de crédito feito de metal que daria mimos exclusivos aos associados); procura mostrar que aspectos que caracterizariam a geração millennial (imediatismo, hedonismo, narcisismo e obsessão por redes sociais) teriam contribuído para o desastre que foi o não evento e ainda tem entrevista com McFarland (Furst, um dos diretores, confirmou ao site The Ringer que ele foi pago para falar ao filme, mas não revelou a quantia).

Já “Fyre Fraud” pega mais pesado com McFarland e seus associados, mas a edição de “Fiasco no Caribe” revela uma incompetência inconcebível e o criminoso descaso dos organizadores (foram avisados um sem número de vezes que não havia tempo para produzir um festival desse porte).

Há uma cena absurda em “Fiasco no Caribe”: um dos homens (gay) chamado para ajudar na produção conta que um carregamento de água mineral estava preso na alfândega do país. Para resolver a questão, pediram para ele fazer sexo oral no responsável pelo caso (o cara diz que não precisou chegar a tanto).

Uma das principais personagens do desastre é Maryann Rolle, dona de um restaurante na ilha, que torrou R$ 189 mil da própria poupança para alimentar trabalhadores e parte do público. Uma vaquinha na internet já arrecadou mais de R$ 489 mil para ajudá-la e para pagar os contratados locais.

Crossno conta que o Fyre foi um pesadelo que o atormentou inclusive na saída. 

“Consegui um lugar no último avião. Cheguei ao aeroporto às 23h e embarquei às 2h. Mas, como havia uma pessoa a mais, fomos obrigados a deixar a aeronave para que nova contagem dos passageiros fosse feita. Eram quase 4h quando embarcamos novamente. Às 6h, fomos avisados de que a tripulação não poderia nos levar até lá porque eles já haviam trabalhado mais do que a lei permitia. Voltamos então ao salão do aeroporto, e nos trancaram lá dentro sem comida nem água —um homem desmaiou. Conseguimos deixar aquela ilha apenas às 10h.”

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