Obras de arte de grande porte viram desafio na hora de entrar no museu

Com muitos metros e toneladas, trabalhos precisam ser fatiados

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Instalação

Obra 'Straight', de Ai Weiwei Ai Weiwei Studio/Divulgação

São Paulo

Depois de algumas recusas e meses à procura de um lar, a obra "Eco Seco", do artista brasileiro Rodrigo Braga, finalmente encontrou um acervo para chamar de seu.

A busca começou quando, em 2016, a peça entusiasmou tanto a colecionadora Alayde Alves que ela a comprou —sem perceber que suas dimensões não eram compatíveis com a casa onde vivia. A escultura, que consiste em um tronco recomposto com cascas de uma árvore caída e uma viga no interior, possui cinco metros de comprimento.

"Se nada der certo, vou pendurá-la no teto da minha casa. É o único lugar com cinco metros", disse Alves em outubro, antes de conseguir doar "Eco Seco" para o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba que, em um primeiro momento, não pôde aceitá-la por falta de verba —o transporte, no valor de R$ 850, foi pago pela colecionadora.

Entre as instituições para as quais "Eco Seco" foi oferecida, de acordo com Alves, a Pinacoteca disse não ter verba para o armazenamento e a manutenção da escultura. No acervo do museu, entre 10,2 mil obras, há 43 de grande porte, que ficam armazenadas em duas reservas terceirizadas, ocupando 330 m².

Em depósitos especializados, o valor para o armazenamento de obras de arte é calculado por metro quadrado, que varia entre R$ 60 e R$ 200 mensais. Uma instalação do artista Carlos Fajardo, por exemplo, agora acondicionada em cinco caixas dentro da empresa Millenium, custa cerca de R$ 1.400 por mês, segundo o gerente Miulnei Barbosa.

"Obras de grande escala provocam uma reflexão sobre como é possível armazená-las e expô-las", explica Jochen Volz, diretor da Pinacoteca. "Para novas aquisições, consideramos sempre o volume. Há casos que são grandes em exposição, mas não são volumosos quando armazenadas", diz.

As exibições temporárias que acontecem no octógono da Pinacoteca, espaço no qual já estiveram os barcos suspensos do artista José Spaniol (com 430 kg), são, segundo Volz, uma forma de mostrar peças grandes sem precisar incorporá-las ao acervo.

A dimensão impacta sua permanência, uma vez que, muitas vezes, artistas são obrigados a se desfazer das peças pela impossibilidade de armazená-las. Uma instalação que Rodrigo Braga apresentou no Paço das Artes em 2015, composta da carcaça de um carro e um tronco de árvore, por exemplo, acabou descartada.

O artista Carlos Monroy, também, na primeira vez que realizou a obra "O Museu da Lambada", há três anos, teve que jogar fora a Kombi que fazia parte da exposição após seu encerramento —no ano passado, ao remontar a instalação no Sesc Santana, ele precisou comprar um novo veículo e, mais uma vez, estilizá-lo.

"Fazer algo grande exige esforço e recursos —e, no fim, há pouca chance de venda", diz Elisa Bracher. "Muitas vezes comercializamos pelo preço de custo e até abaixo."

A artista levou aproximadamente 15 anos para vender todas as peças de uma série de 40 esculturas produzidas em 1999, cada uma com sete metros de altura e dez toneladas.

"Na época eu tinha um ateliê enorme, mas você acaba desanimando", conta Bracher, que já precisou destruir uma escultura sua num shopping a céu aberto em São Paulo. "Por causa da limpeza, a peça estragou. Avisei que iria cair na cabeça de alguém e, como nada foi feito, eu mesma arquei com a retirada", explica.

Com a impossibilidade da entrada de um caminhão para retirar a escultura, Bracher instalou dois andaimes e serrou a obra em vários pontos.

O artista Artur Lescher diz que dificilmente realiza obras desse porte sem conhecer o destino que elas terão. No fim deste mês, ele deve inaugurar no Sesc Avenida Paulista a peça "Anchor the Sky", uma agulha de 21 metros de altura que será ancorada em uma estrutura metálica e sustentada pelas vigas do edifício.

Inicialmente prevista para novembro do ano passado, a instalação foi adiada, entre outros motivos, em razão dos cálculos de engenharia necessários para sua fixação. Habituado com obras de grande formato, o primeiro trabalho que realizou neste sentido foi "Aerolitos" para a 19ª Bienal de São Paulo, em 1987.

A peça, composta de dois balões com 11 metros de comprimento cada um, hoje se encontra em seu ateliê, junto à instalação "Semovente", de 35 metros de comprimento, que foi exposta no Museu de Arte Moderna de São Paulo há 30 anos. "Estão desmontadas. São quase um estorvo, mas tenho que guardá-las", diz.

Com exceção de instituições com espaço de exposição permanente —entre as quais, além do Inhotim, é possível citar o Sesc; a coleção do Itaú Unibanco, que está distribuída entre o Itaú Cultural, prédios administrativos e agências bancárias e a nova Fábrica de Arte Marcos Amaro, em Itu (SP), situada em uma propriedade de 25 mil m²— obras de grandes dimensões sempre irão esbarrar em uma limitação clara —o espaço.

O colecionador Sérgio Carvalho, por exemplo, possui cerca de cem objetos desse porte em uma coleção de mais de 2.200 peças. "Estão quase todas desmontadas, porque não tenho onde colocar", diz. "Meu espaço enfartou, não cabe mais nada. Tenho privilegiado opções de dimensões menores e vídeos, pois é só um pen drive e está tranquilo."

Quando se pensa em exposições temporárias, o problema também não está de todo descartado. O curador Marcello Dantas se lembra da resposta que recebeu do americano Richard Serra quando o convidou para realizar uma mostra no Brasil.

"Ele foi muito doce e me disse: 'Eu faço o trabalho, mas não subestime o preço astronômico que será transportá-lo'", conta. "Era inviável, o custo de transporte era na casa de milhões de dólares. A escala é muito importante em um trabalho do Serra, mas o contêiner continua tendo 2,5 metros de largura, o caminhão também. E aí, como faz?"

A tentativa de Richard Serra lembra um episódio recente que envolveu a criação "Bouquet of Toulips", feita pelo artista americano Jeff Koons em homenagem às vítimas dos atentados que ocorreram na França há quatro anos.

Com 11 metros e 33 toneladas, a obra foi doada a Paris —mas não sua execução e instalação, estimadas em € 3,5 milhões (cerca de R$ 15 milhões). A doação foi alvo de protestos, e a escultura tardou dois anos para ter seu local definido —deve ser instalada nos jardins que rodeiam o Petit Palais ainda neste ano.

Na mostra que esteve em cartaz na Oca até o último fim de semana, em São Paulo, o artista Ai Weiwei e o curador Marcello Dantas tiveram sorte: conseguiram exibir, pela primeira vez, "Straight" como foi originalmente concebida.

Composta por 164 toneladas de vergalhões resgatados após um terremoto que atingiu Sichuan, na China, a obra havia sido exibida apenas parcialmente. De acordo com Dantas, nenhum museu antes tinha espaço nem capacidade para suportar as dimensões nem o peso dela.

Para a mostra, também, vieram de Trancoso, na Bahia, cinco carretas com 17 raízes e troncos que que deram origem a peças inéditas. Sua entrada no museu só foi possível com a retirada da esquadria da porta e a construção de um elevador com capacidade para seis toneladas (a rampa do local não suportaria o peso) —a operação será repetida com o encerramento.

Depois do fim da mostra, parte das esculturas segue para o Rio de Janeiro e para Belo Horizonte, enquanto outras retornam para Berlim e Londres. A logística, mesmo assim, parece não entrar na cabeça de Ai Weiwei, que possui espaços de armazenamento na China, na Alemanha e nos Estados Unidos.

Em sua estada no Brasil, durante debate com o artista italiano Michelangelo Pistoletto, Ai perguntou como ele fazia para armazenar as obras que criava. A pergunta acabou sem resposta.

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