Investigação de esquema que desviou R$ 15 milhões do Municipal vai à Justiça

Ministério Público fez denúncia contra ex-diretores do teatro paulistano, que poderão virar réus

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Três ex-diretores do Theatro Municipal, todos contratados durante a gestão de Fernando Haddad como prefeito de São Paulo, irão se tornar réus se a Justiça acatar a denúncia recém-entregue pelo Ministério Público.

A Promotoria concluiu as investigações que apontam William Nacked, José Luiz Herência (ambos em cargos administrativos) e o maestro John Neschling, que exercia a função de diretor artístico, como peças centrais de um esquema que desviou cerca de R$ 15 milhões da Fundação Theatro Municipal entre os anos de 2013 e 2015.

A denúncia está registrada na 6ª Vara Criminal da Justiça Federal, mas ainda não virou ação criminal. 

Além do trio apontado como central no esquema, o documento cita outras 12 pessoas envolvidas diretamente, entre elas o músico Livio Tragtenberg e o agente cultural argentino Valentin Proczynski, que representava Neschling no exterior e morreu no início deste ano.

O escândalo foi deflagrado no fim de 2015, com um mandado de busca e apreensão realizado pela Promotoria em imóveis de Herência. O órgão descobriu esquema em que eram utilizadas notas frias, empresas fantasmas e pagamentos superfaturados para a contratação de serviços diversos relacionados sobretudo a produções de óperas. 

Segundo a denúncia, Herência e Nacked, que em 2016 confessaram seus crimes e fecharam acordo de delação premiada, agiram em conluio. 

O texto diz que Nacked apoiava a contratação de empresas indicadas por Herência, que recebia devoluções de porcentagem do dinheiro que era pago pelo município ou por verbas que tinham origem em captação via Lei Rouanet.  
 

​Nacked, ainda segundo a denúncia, teria se beneficiado também por meio de um outro método. No cargo de diretor do Instituto Brasileiro de Gestão Cultural, que a prefeitura havia contratado para gerir o Municipal, ele utilizava verba, funcionários e estruturas pagas com dinheiro público para manter uma outra organização em seu nome, o Instituto Brasil Leitor.

Neschling teria ciência de que o IBGC estava sendo usado para contratações de falsas prestações de serviços. Em janeiro de 2014, de acordo com a denúncia, o maestro pediu para que um funcionário fosse contratado pelo Instituto Brasil Leitor e passasse a receber salário de R$ 3.750, sem que prestasse serviço à organização social.

A acusação diz que os contratos de quatro produções —“Trilogia Romana”, “Alma Brasileira”, “El Amor Brujo” e “El Fuego y La Palabra”— foram uma troca de favores entre Neschling e o agente Proczynski. 
Neschling é acusado de tráfico de influência, e a denúncia menciona, como prova, um email em que o maestro pede para Herência informar Proczynski do cancelamento dos contratos de “Alma Brasileira”. Se Neschling o fizesse ele próprio, isso seria um “tremendo tiro” em seu pé. 

As investigações também mencionam que um funcionário do Municipal denunciou práticas ilegais de Herência ao maestro. Neschling teria alertado Herência da denúncia, sem, porém, levar o caso imediatamente à prefeitura. 

O documento destaca uma frase de Neschling, supostamente dirigida a Herência e a Nacked por email: “Enquanto nós estivermos juntos como uma rocha, não acontece porra nenhuma”. Segundo a documentação da Promotoria, funcionários do Municipal que se opusessem ao esquema dos diretores eram repreendidos ou demitidos. Após o início da investigação, em 2015, Haddad decretou intervenção na gestão do IBGC.

As investigações apontaram também que Tragtenberg, em parceria com seu genro, Herência, praticou lavagem de dinheiro. Em conta de uma empresa que pertencia ao músico e a ele, foi identificada a circulação de R$ 2,6 milhões, a partir da emissão de oito notas frias pagas pelo IBGC. 

Depois o dinheiro era transferido para Herência. O documento também diz que Tragtenberg aceitou ser o proprietário de um apartamento do genro, “mesmo sabendo da origem ilícita” do valor que havia sido empregado na compra.

Por fim, a denúncia indica que a concorrência realizada antes da contratação do IBGC, em 2013, foi direcionada. Segundo o documento, Juca Ferreira, então secretário municipal de Cultura, garantiu a Nacked que existiriam cláusulas no edital que inviabilizariam o interesse de organizações sociais concorrentes.

Envolvidos no caso se defendem com versões conflitantes

Segundo Eduardo Carnelós, advogado de Neschling, a denúncia contra o maestro “é uma infâmia desprovida de sustentação”. Ele diz que, “além de peça inepta, construiu um enredo absolutamente fantasioso, sem nenhum amparo em prova, mas apenas nas palavras de dois criminosos confessos, aos quais, curiosa e contraditoriamente, ofereceu-se a impunidade em troca das mentiras que disseram contra um homem de bem”.

Carnelós destaca que a Justiça deverá decidir se estão presentes os requisitos para o recebimento da denúncia. Ou seja, que Neschling ainda não é réu. “Somente depois disso, e na hipótese de haver esse recebimento, é que a defesa será apresentada nos autos, que tramitam sob sigilo.” 
Segundo a defesa, “Valentin Proczynski não era agente exclusivo do maestro Neschling, cuja maioria dos trabalhos na Europa foi agenciada por outros profissionais”. E lembra que “foi Neschling quem levou ao então prefeito [Haddad] a informação de que havia suspeita de práticas ilícitas na condução do Municipal”.

O advogado Caio Cesar Arantes, que defende Nacked, diz que seu cliente firmou acordo de delação premiada.

“Quanto à denúncia ofertada pelo Ministério Público, em parte baseada nas informações obtidas dos relatos de Nacked, entendemos que há certas impropriedades e divergências, fáticas e jurídicas, mas que serão oportunamente dirimidas”, disse. Arantes nega que houve “enriquecimento ilícito de William Nacked”.

Herência confirma que ele, Neschling e Nacked receberam “vantagens indevidas no Municipal”. “Enquanto eu e William assumimos nossa responsabilidade, Neschling vive entre a Suíça e Portugal e nunca mais voltou ao Brasil”, diz. “Como afirmei para o Ministério Público, os modos de agir eram complementares.”

“De minha parte, abusei da confiança de pessoas idôneas, que por ingenuidade acreditavam ajudar o Municipal emitindo notas fiscais para serviços e repassando para mim”, diz, em relação a Tragtenberg e outras pessoas de sua relação pessoal. “Essas pessoas viam os espetáculos acontecendo, fazendo sucesso e achavam que estavam colaborando, muitas vezes sem receber nada ou quase nada para isso.” 

Segundo Tragtenberg, Herência reconheceu ter usado produtores culturais para emitir notas para serviços que não foram realizados. “E eu fui um deles. Em todos os casos, os produtores foram levados a equívoco e acreditaram que estavam ajudando o Municipal a realizar sua programação.”

“Que cometemos um erro, é óbvio, mas não agimos com intenção de lesar o Municipal, minha própria história se confunde com a do teatro desde 1984. Não fiz nada nesse sentido, não faz parte da minha índole. As óperas aconteciam normalmente e eu acreditava estar colaborando com elas.”

Sobre o apartamento, Tragtenberg diz que “jamais poderia imaginar a procedência ilícita do imóvel”. Ele achava que “se tratava de uma relação regular e pessoal”. “Assim que soube, tomei a iniciativa de informar e realizar a devolução”.

Juca Ferreira respondeu que não houve direcionamento na concorrência que resultou na contratação do IBGC para a gestão do Municipal.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.