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Cinema

Filme 'Raiva' é meio 'Vidas Secas', meio 'Morte e Vida Severina'

Longa de Sérgio Tréfaut traz vilarejo e suas roças secas parados no tempo da miséria

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Raiva

  • Classificação 14 anos
  • Produção Portugal, França, Brasil, 2018
  • Direção Sérgio Tréfaut

Baseado no romance neo-realista português "Seara de Vento", publicado em 1958 por Manuel da Fonseca, o filme "Raiva" toca no mesmo tom de algumas obras brasileiras do gênero no século 20.

"Vidas Secas" (1938), de Graciliano Ramos, e "Morte e Vida Severina" (1955), de João Cabral de Melo Neto, vêm à mente ao assistirmos ao sofrimento dessa família do Alentejo, cujo pai foi acusado de roubo pelo grande fazendeiro e agora sofre sem trabalho e meios de subsistência há um ano.

O filme se passa em 1950, mas o livro foi inspirado em fato que acontece naquela região em 1938, quando a acusação de roubo deu sequência a uma série de eventos trágicos. Não importa se estamos antes ou depois da Segunda Guerra, aquele vilarejo e suas roças secas estão parados no tempo da miséria.

O alentejano Palma mata o fazendeiro, mas isso não é contar o final, pois é a primeira cena do filme. A partir daí, voltamos alguns dias para entender os acontecimentos que culminaram no assassinato. 

É uma opção curiosa, pois o filme tem força para se manter em pé sem o uso desse artifício.

Como em todas as histórias do tipo, temos empatia imediata pelo lavrador miserável, como temos por Fabiano e por Severino, protagonistas dos livros brasileiros citados. Palma luta, não apenas contra o fazendeiro, mas contra o estado das coisas, a sociedade injusta, a falta de dignidade, a fome.

Mas é na revelação do cotidiano de sua família --e, assim, dos lavradores alentejanos de 70 anos atrás-- que está o motor do filme. 

Mais do que a história de assassinato, "Raiva" é precioso ao exibir a sufocante roupa preta das mulheres, o céu de chumbo, a sopa de alho, o pão português, a aguardente, o copo de vinho, a caminhada pelo mato, a travessia do rio, o coelho desmembrado.

A língua falada é o português, mas os produtores fizeram bem em legendar o filme, uma vez que nós, brasileiros, temos bem menos familiaridade com o sotaque lusitano do que vice-versa. Nota-se ainda que o modo de falar remete ao alentejano rural, com expressões de época.

A cena da família rica enquanto está jantando remete a outro grande momento da literatura de denúncia social. Parece inspirada na família burguesa do francês "Germinal" (1885), de Émile Zola, que come bolos enquanto os carvoeiros têm uma batata por família, ou nem isso.

Estamos aqui, fique claro, em um filme de arte. É literatura transposta para o cinema de forma competente. A fotografia é em preto e branco. 

Mas a história, como indicou Fernando Pessoa a respeito do rio que corre em sua aldeia, é universal.

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